Por Ribamar Bessa:
(De Lima, Peru) – Son unos sinvergüenzas! Venían de Brasil con maletas llenas de dólares para sobornar y obtener contratos en obras públicas aqui en el Perú – comentou Gustavo, o taxista, me olhando pelo retrovisor. Embora eu não tivesse me apresentado, ele sabia que estava conversando com um brasileiro. Bastou eu dar buenos dias no Aeroporto Jorge Chávez e combinar uma corrida até um hotel em Miraflores. O sotaque de ái-donti-bélive-bichinho me traiu. Assim mesmo, caprichei no meu portunhol: entonces, sin embargo, todavía, por supuesto, com direito até a uns palavrões tipo carajo e pelotudo para mostrar minha intimidade com a língua.
Se puxei conversa foi para me manter fiel à tradição do nosso jornalismo. Pode reparar: as matérias do exterior assinadas por enviados especiais trazem sempre depoimentos de um taxista. Se não trouxer, ninguém acredita. Taxista confere mais credibilidade que discurso de ministro. Sem a fala de um taxista, que quase sempre é fofoqueiro, a matéria fica capenga. Ele dá fé ao discurso jornalístico assim como um tabelião reconhece uma assinatura. É a voz do povo que como todo mundo sabe é a voz de Deus. Será? Há quem assegure que o repórter só recorre ao taxista porque não tem acesso a fontes mais importantes. Pura inveja? Pode ser.
As confidências de Gustavo, o taxista, davam a entender que ele havia escutado a conversa de um desses sinvergüenzas dentro do seu táxi. No entanto, conforme logo constatei, ele apenas reproduzia as manchetes dos jornais peruanos, em letras garrafais, revelando as conexões andinas das construtoras brasileiras envolvidas na Lava Jato. Ou seja, o taxista falou o que leu nos jornais, que por sua vez se baseiam em informações de taxistas, numa circularidade que se estende pelas redes sociais. São os taxistas que juram que o filho do Lula ficou rico, o que no facebook aparece como verdade incontestável, embora sem respaldo de fonte fidedigna.
De qualquer forma, neste caso, a fonte original sobre a conexão peruana da Lava Jato foi outra: a delação premiada. O procurador peruano especializado em delitos de corrupção, Hamilton Castro, e seu colega Alonso Peña estiveram com Sérgio Moro no Brasil e tomaram conhecimento do suborno na abertura e pavimentação da estrada Interoceânica, na construção do Centro de Convenções de Lima, de uma estrada em Canta e de um hospital no Cuzco, executados pela OAS. Isso, que é só o começo, também está nos jornais locais, que não falam de outra coisa, incluindo as transações com a Odebrecht.
Nada apurei pessoalmente. Fiz como o taxista. Li El Comercio, que xeretou o livro de visitas do Palácio do Governo e revelou que no dia 23 de janeiro de 2007, das 18h50 às 20h18, o então presidente Alan Garcia teve uma “reunião de trabalho” com José Dirceu e com a empresária Zaida Sisson de Castro, que foi secretária da Câmara de Comércio Brasil-Peru da qual fazem parte Odebrecht, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Galvão Engenharia e OAS.
Um segundo encontro ocorreu em 4 de março de 2008, entre as 09:h04 e as 10h09. Um ano depois, em 2009, Dirceu foi recebido pelo primeiro ministro Javier Velásquez Quesquén para “intercambiar experiências dos governos peruano e brasileiro“. Dirceu já não era nem ministro e sequer deputado, com mandato cassado em 2005.
Alan Garcia está para o Peru como Collor para o Brasil no que diz respeito à corrupção. Não é boa companhia para ninguém. Reconheceu nesta sexta (14/08) que recebeu Dirceu, mas alegou que não podia prever a prisão dele. De qualquer forma, como ele é candidato à eleição presidencial que acontece daqui a nove meses, as denúncias vão ser agitadas nesse período eleitoral.
Esclareço, porém, que não foi em missão jornalística que vim a Lima. Fui convidado para participar como conferencista no VI Simpósio Internacional de Bilinguismo e Educação Bilíngue na América Latina e ministrar uma oficina sobre documentos relativos às línguas indígenas em arquivos brasileiros. Foram o taxista e os jornais que me sugeriram esse tema para a coluna.
Já que ninguém é de ferro, aproveitei também para matar as saudades e “recolher meus passos”. Morei no Peru, onde sobrevivi encenando peças de títeres no Teatro de Bonecos Dadá com um casal de exilados brasileiros – Euclides e Adair – e depois como professor horista em três universidades. Aqui tive mulher, filha, cachorro, amigos, alunos. Aqui enfrentei dois terremotos: o de 1970, que matou mais de 80 mil pessoas no Callejón de Huaylas e o de 1974 que durou quase dois minutos, o que é uma eternidade. Aqui aprendi a comer cebiche, anticucho, chinchulines, cau-cau, aji de galinha, rocoto relleno e, com a culinária, saborear poesia, literatura, musica.
Quem me trouxe ao Peru pela primeira vez, aliás, foi um livro. Eu estava exilado no Chile, em 1969, quando li “Los Rios Profundos” de José Maria Arguedas, que foi traduzido ao português. No primeiro capítulo, o personagem Ernesto – um menino de 14 anos – e seu pai chegam ao Cuzco em busca de um parente, El Viejo, um fazendeiro explorador e sovina. O leitor percorre a Praça de Armas com os personagens. A descrição magistral da Catedral do Cuzco é supimpa e eletrizante. A leitura de algumas páginas foi suficiente. Decidi:
– “Vou me embora pro Peru”, que no meu imaginário era uma espécie de Pasárgada.
O mergulho nos rios profundos me fez passear pelos Andes, percorrendo com os personagens diversas cidades serranas e da costa, os canaviais de Abancay ao longo do rio Pachachaca, as hortas repletas de amoreiras e de uma árvore nativa – pisonay – que fica coberta de grandes e vistosas flores vermelhas na primavera. A literatura peruana é tão excelente como a culinária. Agora, descubro que o Brasil, que exportou a corrupção, está também ajudando a desemaranhar a teia podre da conexão andina.