Transcrito do CONSULTOR JURÍDICO:
Desembargador nomeado já levou facadas em audiência
Ter levado cinco ou seis facadas de trabalhador insatisfeito com uma sentença faz parte do histórico do juiz Lairto José Veloso, de 58 anos, nomeado desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região (Amazonas e Roraima). A nomeação assinada pela presidente Dilma Rousseff foi publicada no último dia 25, no Diário Oficial da União.
O episódio ocorrido em 1990, cerca de um ano depois da posse de Veloso como juiz, está fresco em sua memória até hoje. Em entrevista à revista Consultor Jurídico, Veloso conta como se livrou da morte e o que mudou em sua vida depois de ser atacado dentro da sala de audiências do tribunal.
Ao julgar o caso de um trabalhador que questionava a demissão por justa causa após ter agredido verbalmente e fisicamente seu superior, o juiz deu ganho de causa para a empresa, afirmando que as provas apontavam que o funcionário teria sido culpado. “O próprio trabalhador, que agia de forma extremamente agressiva durante a audiência, não negou que tivesse agredido seu chefe”, conta.
Nos dias seguintes, Veloso vira o funcionário demitido nos corredores do tribunal, mas diz não ter se questionado sobre o que se tratava. Então, durante uma audiência, o homem entrou na sala, tentou jogar álcool nos olhos do juiz e investiu contra ele com uma faca.
“Na hora, eu me levantei da cadeira e fui para cima dele. Nós lutamos e eu consegui dar um pontapé nele. Eu estava de terno e tentava acertá-lo com uma cadeira enquanto ele tentava me pegar com a faca”, narra Veloso. A luta foi desequilibrada, então, por um dos advogados que estava na sala, que correu para deixar o local e esbarrou na perna do juiz, derrubando-o. Foi então que o agressor saltou sobre ele, acertando “cinco ou seis facadas”, que atingiram órgãos como fígado, intestino e baço.
Ferido, o juiz continuou a lutar e desarmou o agressor, quando um segurança do tribunal, que estava na sala ao lado, entrou e foi em direção ao homem. Uma outra faca que ele trazia escondida foi usada para acertar, dessa vez, o segurança. O profissional, com ajuda de outros seguranças do local, desarmou o sujeito, que foi encaminhado à Polícia.
Touro
O juiz conta que perdeu 40% do sangue com os ferimentos foi encaminhado para o hospital. “Os médicos que me atenderam disseram que eu era ‘um touro’, porque não cheguei nem a perder os sentidos, mesmo tendo perdida quase metade do sangue do meu corpo.”
Veloso ficou um ano afastado da função, em recuperação. Ele conta que o agressor, em depoimento à Polícia, disse que havia avisado durante a audiência que, caso perdesse a ação, ia matá-lo. “Isso não aconteceu. Se ele tivesse dito isso, eu o pegava naquela hora mesmo. Juiz tem que ter coragem.”
Para o desembargador nomeado, a culpa foi, além do próprio agressor, que ele classifica como “malfeitor desinformado”, dos advogados do caso. “Eu tenho certeza que os advogados sabiam das intençõe dele, mas não me falaram nada”, conta.
Depois que voltou ao tribunal, Veloso passou a trancar por dentro a sala de audiência. “Agora, a audiência só é pública para quem participa dela”, brinca. O juiz também diz evitar lugares com grande concentração de pessoas e ficar “preparado” quando nota que o clima começa a esquentar na sala de audiências. “Eu me levanto da cadeira e procuro não permitir que a temperatura suba.”
Questionado sobre as vezes que isso aconteceu, responde que “tanto empresários como trabalhadores sempre fazem ameaças, mas você tem que ‘partir para cima’ na mesma hora. Não pode permitir. O ‘cabra’ tem que saber manter o respeito”.
Método próprio
Além da forma de conduzir as audiências, Veloso tem um método próprio de despachar. Chega ao tribunal diariamente entre 5h30 e 6h, despachando tudo o que está em sua mesa até às 8h, quando têm início as audiências. “Depois da audiência, o juiz não tem mais condição física de julgar corretamente”, afirma.
Segundo ele, o método dá muito certo, uma vez que a 3ª Vara do Trabalho de Manaus, onde ainda é titular, “tem pouco mais de 100 processos aguardando a execução, enquanto outras Varas da região têm mais de 2 mil”.
Apesar da pressão por conciliações ser algo comum à Justiça do Trabalho, Veloso diz achar que propor acordos não cabe ao juiz, mas, sim, às partes. O juiz, na visão dele, deve apenas homologar o acordo. Por isso, ele é contrário às semanas de conciliação e metas promovidas pelo Conselho Nacional de Justiça.
“Quando alguém tem uma ação contra o empregador porque foi injustiçado e veio para Justiça, eu acho uma agressão pedir para ele fazer um acordo. Nossa função é julgar”, afirma o juiz, que pretende manter o mesmo ritmo de trabalho depois de tomar posse como desembargador.
Marcos de Vasconcellos é repórter da revista Consultor Jurídico.