Por Mary Elbe Queiroz e Antonio Elmo Queiroz:
Apesar de suspensas novas sessões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), continuam a ser publicados os acórdãos pendentes. Como no caso abaixo, em que contribuinte reconheceu, via contabilização de equivalência patrimonial, lucros de controladas em Portugal e Equador. Mas não os tributou, invocando acordos internacionais com os mencionados países; argumento que não foi suficiente para impedir uma autuação.
Todavia, apreciando recurso, a autuação foi cancelada pela DRJ assim: “os citados tratados promulgados pelos Decretos nº 4.012/2001 e 95.717/1988, respectivamente, têm como objetivos evitar a dupla tributação em matéria de imposto sobre a renda e impostos de natureza idêntica ou análoga. Em ambos os tratados os lucros das empresas só podem ser tributados, em regra, no seu Estado de residência. Há previsão de tributação na distribuição de dividendos pelo Estado onde reside a empresa que os recebe. Entretanto, segundo a legislação brasileira, dividendos oriundos de empresas avaliadas pelo método da equivalência patrimonial são deduzidos do valor do investimento, não afetando as contas de resultados. Os dividendos serão registrados em contas de resultados, afetando a tributação, caso sejam oriundos de balanço intermediário”
Por sua vez, apreciando recurso de ofício, Turma do Carf restabeleceu a autuação, não enxergando, nos Tratados, impeditivo para a tributação em bases universais; assim ementado e fundamentado:
Acórdão 1301-001.651 (publicado em 27.03.2015)
CONVENÇÕES: BRASIL E PORTUGAL. BRASIL E EQUADOR. AMPLITUDE.
As Convenções firmadas pelo Brasil com as Repúblicas do Equador e Portuguesa, destinadas a evitar a dupla tributação e a prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre rendimentos, não contém cláusula capaz de impedir a tributação dos lucros auferidos por pessoas jurídicas domiciliadas no território nacional por meio de participações em empresas sediadas no exterior, mas, sim, a tributação, pelo Brasil, dos lucros auferidos pelas próprias empresas sediadas no exterior.
A previsão de mecanismo que autoriza a compensação dos impostos pagos, efetiva o objetivo do acordo no sentido de evitar a dupla tributação, ratifica a inexistência de vedação à denominada tributação em bases universais das pessoas jurídicas domiciliadas no país e, por outro lado, invalida a interpretação acolhida na instância julgadora a quo.
Voto Vencedor (…)
Ultrapassada essa questão, cabe apreciar se no presente caso os TRATADOS INTERNACIONAIS, firmados com o intuito de evitar a dupla tributação, representam óbice à tributação promovida pela Fiscalização.
Para a Turma Julgadora de primeiro grau, sim, no que foi acompanhada pelo Ilustre Conselheiro Relator da segunda instância de Julgamento. (…)
Entretanto, como dito, a Turma Julgadora decidiu de modo diverso.
Isto porque, ao analisar os termos das Convenções firmadas pelo Brasil com a República Portuguesa e com a República do Equador, concluiu pela inexistência de cláusula capaz de impedir a tributação, no país, dos lucros auferidos por pessoas jurídicas aqui domiciliadas de empresas por elas controladas e sediadas nos referidos países (Portugal e Equador).
O art.7º dos referidos Tratados Internacionais, apontado como aquele que contempla a norma impeditiva da tributação dos lucros auferidos por pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil por meio de controladas ou coligadas sediadas no exterior, efetivamente não traz comando nesse sentido. A vedação ali estabelecida só seria aplicável caso a legislação tributária brasileira autorizasse a tributação do LUCRO AUFERIDO POR PESSOA JURÍDICA SEDIADA NO EXTERIOR que fosse controlada ou coligada de empresa domiciliada no Brasil.
À evidência, não é disso que trata a legislação da denominada TRIBUTAÇÃO EM BASES UNIVERSAIS.
Nela, a previsão de incidência é dirigida para os LUCROS AUFERIDOS PELA PESSOA JURÍDICA DOMICILIADA NO BRASIL por meio de controladas e coligadas sediadas no exterior.
A diferença entre as situações é tênue, mas de extrema relevância e justificadora da introdução de normas, inclusive nas CONVENÇÕES referenciadas, que autorizam a compensação do imposto que foi pago no exterior, pois, do ponto de vista estritamente econômico, e não jurídico, o lucro auferido pela controlada ou coligada no exterior, no caso em que a legislação do país em que elas forem sediadas contiverem previsão de tributação da renda, será tributado no país de origem e no Brasil, visto que a legislação tributária brasileira passou a tributar as pessoas jurídicas aqui domiciliadas tanto em relação ao lucro auferido internamente como aquele proveniente de participações em empresas sediadas no exterior. (…)
Por fim, cabe registrar que, diante das considerações acima, revela-se absolutamente inócua a discussão acerca da possibilidade de a tributação promovida de ofício encontrar respaldo nas disposições do art. 10 das referidas CONVENÇÕES, eis que, para o Colegiado, o que caberia apreciar é se os referidos Tratados continham norma capaz de criar óbice à pretensão do Fisco, o que, em razão dos argumentos declinados, restou comprovado que não.
Cisão de crédito
Após uma companhia passar por uma operação de cisão (artigo 229 da Lei 6.404/76), parcela do seu patrimônio é vertida para outra sociedade. Restando indagar, quando o patrimônio transferido for crédito fiscal próprio da cindida, se após a cisão passaria a ser também crédito próprio da cindenda, como interpretou o contribuinte abaixo, ao proceder a uma compensação; ou se, como entendeu o fisco, ficaria sempre como crédito de terceiro, insusceptível de compensação com débitos próprios.
Julgando a questão, Turma do Carf concluiu que seria crédito próprio da sucessora, caso efetivamente existente; assim ementado:
Acórdão 1101-001.276 (publicado em 26.03.2015)
Cisão. Direito Creditório da Cindenda. Cabimento.
Na forma do artigo 229, da Lei nº 6.404/1976, cisão é a operação pela qual uma pessoa jurídica transfere parcelas do seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes, extinguindo-se a companhia cindida, se houver versão de todo o seu patrimônio, ou dividindo-se o seu capital, se parcial a versão. Com o evento, os bens, direitos e obrigações, incluídos os de natureza tributária, passam a ter natureza de créditos próprios da pessoa jurídica cindenda e assim válidos, desde que confirmados, para compensação com débitos desta para com a Fazenda Nacional.
Voto (…)
Ora, se em um lado da balança a legislação impõe que as empresas nascidas de cisão devem assumir as obrigações tributárias devidas pela sociedade cindida, não teria o menor sentido legal, ético, jurídico ou lógico que na variável oposta (créditos da pessoa jurídica contra a Fazenda Pública) não fosse dado o mesmo tratamento isonômico, desde que, por evidente, o evento de dissensão se revista das formalidades previstas em lei, não haja simulação, não se caracterize como planejamento tributário ilícito e não mostre um evidente descompasso entre a vontade aparente e a vontade real.
Decisões variadas
a) No Acórdão 1102-001.333 (publicado em 30.03.2015), Turma do Carf afasta responsabilidade tributária porque não presentes as condições gerais de solidariedade, ainda que para sócio tido como de fato; assim ementado: “não havendo nos autos provas de benefício financeiro direto, nem tampouco da prática de atos ilícitos por parte de pessoa identificada pelo fisco como sendo sócio de fato da fiscalizada, não há que se falar em responsabilidade pelo crédito tributário lançado. A responsabilidade não decorre da mera condição de sócio, seja de fato ou de direito. Não se conhece das alegações de mérito contra o lançamento por parte de pessoa que não se identifica como sócio da fiscalizada, não possui poderes para representa-la, e teve sua responsabilidade tributária afastada pelo julgado”.
b) No Acórdão 1102-001.230 (publicado em 30.03.2015), Turma do Carf afasta suspensão de imunidade de Fundação, pois mesmo irregularidades formais só são fatais se mascararem distribuição de resultado para os gestores; assim ementado: “erros de contabilização que não impossibilitam identificar a correta aplicação dos recursos, à luz da razoabilidade/proporcionalidade, não justificam a suspensão de imunidade/isenção”.
Mary Elbe Queiroz é advogada e professora, pós-doutora em Direito Tributário pela Universidade de Lisboa, e doutora pela PUC-SP; mestre em Direito Público pela UFPE; presidente do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil; presidente do Instituto Pernambucano de Estudos Tributários; membro imortal da Academia Brasileira de Ciências Econômicas, Políticas e Sociais; membro do Conselho Jurídico da Fiesp (Conjur); sócia do escritório Queiroz Advogados Associados e Palestrante da FocoFiscal.
Antonio Elmo Queiroz é advogado, sócio do escritório Queiroz Advogados Associados e diretor do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil.