Fonte: Jornal do Brasil
Todo o processo político brasileiro depois de 1988 é ou será judicializado. Neste Brasil, a política se transformou em atividade desprestigiada e provisória, sempre ensejadora de processo judicial. O grau de destruição é tal que, em brasileirês – permita-se o gracejo – do Século XXI, o vocábulo tornou-se sinônimo de corrupção e seus atores são automaticamente reputados bandidos. Não se pode negar que a forma clássica de fazer política está em crise no Ocidente. Todavia, no Brasil da vigente Constituição, essa repulsa atingiu o paroxismo. Política significa formular as grandes e relevantes escolhas de um estado, isto é, governá-lo. Ela não se confunde com a administração pública, porque esta se limita a executar, com a melhor técnica possível as opções previamente formuladas pela política. Como a administração pública não formula a vontade do estado, mas a materializa, é melhor que seja composta por um conjunto de profissionais que, agindo tecnicamente, cumprem essas grandes e relevantes escolhas, isto é, as opções políticas.
Em regime democrático, quem pode formular opções políticas? Evidentemente, o próprio povo, por meio de seus representantes eleitos ou, em certos casos, diretamente. Em suma: a existência de políticos está necessariamente imbricada com a democracia. No Brasil, contudo, não é assim.
Desde a ditadura de 1964, criou-se a falsa antinomia entre o técnico e o político, isto é, como se toda atividade política fosse atécnica, corrupta e inutilmente dispendiosa. O político se tornou um cancro social, que deve ser extirpado ou, pelo menos, isolado em pequeno leprosário.
Ora, com ou sem os políticos assumidos, alguém terá que formular as escolhas do estado, alguém terá que governar. Quem o fizer será, sempre, político, mesmo que não goste do nome ou dele tente afastar-se. Sem os políticos assumidos ou, pelo menos, com a política desmoralizada, o Judiciário pôde ocupar esse imenso espaço e, a seguir, começou a governar, prescrevendo os objetivos do estado brasileiro.
Fê-lo, exclusivamente, por culpa da Constituição que nos aflige, a qual manteve o sistema eleitoral oriundo da ditadura, que, em suas duas décadas, transformou os Legislativos em ajuntamentos de despachantes e salvaguardou a brutal centralização política deste país continental, uma pseudofederação em que a obtenção de verbas federais indispensáveis se dá a custo da mais pornográfica prostituição política. Ao lado disso, a Carta de 1988 concedeu ao Judiciário e a instituições constitucionais um mundialmente revolucionário sistema de autonomias administrativa, financeira e orçamentária, que faz tábua rasa de milenar elaboração doutrinária sobre o conceito de pessoa jurídica.
Neste cenário, o autônomo Judiciário governa por interpretação dos princípios constitucionais, vagos o suficiente para fazê-lo independente das leis aprovadas pelos outros dois Poderes. Não há, pois, judicialização da política, mas, bem ao contrário, a politização do Judiciário.
* Procurador da ALERJ