Por Osíris Silva
Não obstante as sucessivas renegociações efetuadas no período 1960 a 1990, o endividamento desenfreado do setor público prosseguiu e se ampliou. Em 1997, o governo federal — na condição de credor — permitiu que as administrações regionais pagassem o que deviam ao longo de 30 anos, com juros anuais de 6%, bem abaixo das taxas vigentes no mercado. As condições, todavia, ainda não agradaram aos novos governadores que assumiram em 1999, notadamente quanto às taxas de juros. Dados do Banco Central demonstram que, na época, as parcelas fixadas eram proporcionais ao limite máximo de 13% das receitas líquidas correntes, sendo que a dívida sofria correção pela inflação medida pelo IGP-DI (da Fundação Getúlio Vargas).
Os problemas das finanças públicas estaduais e municipais mesmo assim não foram solucionados. Ao contrário, agravaram-se. Dois anos depois da renegociação das dívidas, o então governador de Minas Gerais, Itamar Franco, decretou a moratória do estado por 90 dias. Em 1999, Itamar tentou, sem êxito, derrubar na Justiça as suas obrigações. E teve que continuar pagando as parcelas da dívida, apesar da moratória estadual. Em 4 de maio de 2000, o presidente Fernando Henrique sancionou a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) visando o controle dos gastos de União, estados, Distrito Federal e municípios, limitando-os à capacidade de arrecadação desses entes. A LRF também promoveu a transparência dos gastos públicos, e, a partir de então, as finanças passariam, obrigatoriamente, a ser apresentadas de forma detalhada aos Tribunais de Contas.
A governadores, prefeitos e presidentes da República, ministros e dirigentes de órgãos, empresas públicas e autarquias aparentemente a fórmula da austeridade fiscal (gastos limitados às receitas próprias) não convém. Tudo leva a crer, com efeito, que ao gestor público no Brasil o que interessa é gastar. Cada vez mais. Mesmo sem contrapartidas sociais de expressão (saúde, educação, saneamento, segurança pública, infraestrutura, etc). Em 2014, o governo Dilma, pressionado por estados e municípios durante o período eleitoral, sancionou uma lei alterando o cálculo das dívidas dos estados e de cerca de 180 municípios. As regras, motivo de polêmica em 2015 entre União e Congresso, aliviavam o pagamento dos débitos: os juros, de 6% a 9%, caíam para 4%.
Nada obstante, vários estados e municípios, repetindo 1990, viram-se diante de nova crise em 2016. O caso mais grave, do Rio de Janeiro, que chegou a decretar estado de calamidade em novembro. Aparentemente, recessão prolongada do país, queda no preço do petróleo e gastos descontrolados são certamente no cerne crise fluminense. Mas não é tudo. A Operação Lava Jato está demonstrando há três anos que o problema é muito mais grave. Não se trata apenas de uma questão de (ir)responsabilidade fiscal, que a LRF não vem conseguindo conter na sua plenitude, mas de incompetência de gestão misturada à uma brutal dose de corrupção que se espalhou, incontrolável, por praticamente a todas as instâncias de governo.
Não por acaso, assiste-se quase que diariamente a mídia exibir em seus noticiários embaraçosos casos de prisões de autoridades públicas (amigos, familiares e partidários), sob acusações de apropriação indébita, fraude fiscal, peculato, desvio de recursos públicos, formação de quadrilha. Crimes esses rotineiramente praticados em conluio com grandes empreiteiras, envolvendo megaobras, como as Arenas da Copa e as instalações Olímpicas no Rio. De tão devastadoras, quase quebram a Petrobras e outras empresas públicas. Resolver o problema das contas públicas, com efeito, exige bem mais de governantes. A nomeação de dirigentes de órgãos deveria ater-se essencialmente ao mérito do escolhido, determinado por sua competência técnica e idoneidade. A permanecer o status quo vigente – nomeações essencialmente por conveniência partidária -, o problema jamais se resolverá; ao contrário, agravar-se-á, até o final dos tempos.