Irresponsabilidade fiscal e corrupção, irmãs siamesas

Por Osiris Silva:

Conforme analisado aqui semana passada, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) inova ao oferecer ferramentas para tornar transparente a gestão pública nas três esferas de governo (federal, estadual e municipal), mediante informes sistemáticos, via internet, da situação de todas elas, sob o comando do Governo Federal. Com base na LRF, a responsabilidade na gestão fiscal pressupõe ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas. A hipótese pressupõe o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e obediência a limites e condições no que tange à renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar.

O foco principal dirige-se a manter as contas públicas saudáveis, sem déficits. De acordo com a Secretaria do Tesouro Nacional, diferente do equilíbrio orçamentário, já previsto na Lei 4.320 de 1964, a Lei de Responsabilidade Fiscal traz uma nova noção em relação às chamadas “contas primárias”: traduzido no Resultado Primário equilibrado. Significa, em outras palavras, que o fundamental reside na busca do equilíbrio autossustentável, ou seja, aquele que prescinde de operações de crédito e, portanto, sem aumento da dívida pública. Esta é a verdadeira tradução do slogan “gastar apenas o que se arrecada”.

A despeito do conjunto de dispositivos e normas de finanças públicas voltadas ao zelo da gestão fiscal, a saber, de controle do Orçamento, das receitas e despesas, operações de crédito, etc., desequilíbrios fiscais são praticamente regra no Brasil. Há carência de recursos para fazer face a planos, programas e projetos? Fundamentalmente, não. Há, sim, má gestão, descaminhos, desrespeito pelas regras morais, corrupção. Não raro devido, em grande dose, à incompetência, despreparo para a vida pública, que resulta em confusão quase generalizada entre o público e o privado. Tanto no governo federal, nos estados e municípios, autarquias e empresas públicas muitos gestores, por incompetência ou afã de enriquecimento fácil à custa do erário, sucumbem e enveredam por tortuosos caminhos do suborno, da subtração, buscando tirar vantagem indevida e criminosa do cargo ocupado.  Quase nunca punidos exemplarmente.

O Brasil é a quarta nação mais corrupta do mundo, segundo o índice de corrupção do Fórum Econômico Mundial. Está atrás apenas do Chade, Bolívia e Venezuela, que lidera o ranking. A corrupção é um dos elementos que a organização suíça inclui em seu índice anual de competitividade, baseado em uma pesquisa com 15.000 líderes empresariais de 141 economias do mundo. Em uma escala de um a sete, em que, quanto maior a nota, maior é a transparência, o Brasil recebeu 2,1, segundo análise publicada pela Business Insider. Estudo da Transparência Internacional, no início do ano, apontou o país como o 76º colocado em uma lista sobre a percepção de corrupção do mundo entre 168 países.

A medida mais eficaz para cortar a corrupção pela raiz, diretamente e sem tergiversações, é adotar o critério de tolerância zero com o desarranjo de contas públicas em qualquer nível de governo. A irresponsabilidade fiscal e a corrupção, irmãs siamesas, estão indissociavelmente ligadas. Entendo também que o ajuste fiscal deveria ser a 11ª medida anticorrupção. Só o emprego contundente de instrumentos coercitivos e punitivos fará com que os governos readquiram a noção de decência, confiabilidade, bons costumes e obediência à lei. Conceitos que, lamentavelmente, vêm se esvaindo com o tempo, tornando-se coisa do passado. Está correto o Pe. Antonio Vieira, escritor expoente do barroco brasileiro, no longínquo século XVII, ao afirmar: “A justiça não é outra coisa que uma perpétua e constante vontade de proporcionar a cada um o que merece.”

Manaus, 14 de dezembro de 2016