Inteligência artificial no Judiciário

STJ, 30 ANOS – Em homenagem ao STJ e seus Ministros republico artigo do seu presidente Ministro João Otávio Noronha, publicado originariamente em O GLOBO.

Serafim Corrêa

 

Por João Otávio Noronha

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) completa 30 anos a serviço da cidadania — momento de celebrar e de refletir sobre seus desafios e caminhos futuros. Instalado em 7 de abril de 1989, o STJ se tornaria, nas três décadas seguintes, o desaguadouro de todo um oceano de conflitos que emergiu com o estado de liberdade, direitos e garantias da Carta Política promulgada seis meses antes.

Foram cerca de sete milhões de decisões, por meio das quais o Tribunal da Cidadania impactou de forma imediata o cotidiano do brasileiro, em questões que vão das vicissitudes da economia à revolução tecnológica, da explosão da violência às mudanças comportamentais e à reivindicação de direitos antes impensáveis. Tudo, cada vez mais, é assunto da Justiça.

Enfrentar essa judicialização crescente com respostas rápidas —ou não excessivamente lentas, seria melhor dizer — continua o nosso grande desafio. Como assinalei ao tomar posse na presidência do STJ: ampliou-se o acesso à Justiça, mas a saída ainda parece estreita e distante.

O acúmulo de processos levou à busca de soluções por dois caminhos, na lei e na tecnologia, ambos com resultados insuficientes.

As reformas legislativas tendentes a racionalizar o sistema recursal ainda encontram dificuldades em um ambiente pouco afeito a respeitar a jurisprudência. Paralelamente, o STJ se vê atolado em uma profusão de causas que em nada contribuem para seu papel de uniformizar a interpretação do Direito federal, enquanto espera pela aprovação da emenda que trata do filtro de relevância para o recurso especial — medida com potencial de devolver a Corte aos trilhos de sua missão constitucional.

Na frente tecnológica, a implantação do processo eletrônico trouxe ganhos indiscutíveis, mas não ampliou como se imaginava a capacidade de julgamento dos magistrados. Este é o ponto que orienta hoje os principais esforços de modernização do STJ: colocar a tecnologia a serviço da tomada de decisão.

O tribunal já vem aplicando a inteligência artificial em tarefas como a classificação de processos, e desde dezembro desenvolve um projeto que deverá reduzir em 25% o tempo entre a distribuição e a primeira decisão no recurso especial, graças ao fornecimento de informações mais acessíveis e relevantes para subsidiar o relator.

Esse sistema — que batizamos de Sócrates e é totalmente desenvolvido por equipe própria do STJ —vai produzir um exame automatizado do recurso e do acórdão recorrido, a apresentação de referências legislativas, a listagem de casos semelhantes e a sugestão da decisão, a qual, no entanto, continuará a ser sempre do ministro.

O projeto-piloto é aguardado para agosto e abarcará inicialmente o recurso especial e o agravo em recurso especial, classes que representam 85% do acervo do tribunal. Espera-se que, em produção total, Sócrates traga um incremento de 10% nos processos julgados em relação ao volume protocolizado no mesmo período.

O combate à morosidade da Justiça vai exigir cada vez mais o concurso da inteligência artificial, e o STJ faz 30 anos firmemente comprometido com esse futuro.

– João Otávio de Noronha é presidente do Superior Tribunal de Justiça