Imprensa divulga mentiras sobre Judiciário

Por Fernando Henrique Pinto

Por conta do desvio de algumas dezenas de magistrados, num universo de quase 15 mil, instalou-se em alguns setores da imprensa brasileira uma campanha difamatória contra o Poder Judiciário. Campanha que, há muito desvinculada da ética e da imparcialidade, publica mentiras e meias verdades, muitas delas de fácil aferição, e omite pontos fundamentais que deveriam constar em reportagens.

A magistratura brasileira —de esmagadora maioria composta de juízes de primeira instância concursados— está atônita e muito preocupada com essa campanha difamatória, pelo abalo (já constatável) que a mesma está causando na credibilidade e respeito ao Poder Judiciário, com risco, em última análise, ao Estado organizado de Direito e à própria democracia.

O mais recente exemplo dessa situação é o quadro apresentado na página A12 da edição de 15 de janeiro de 2012 da Folha de S.Paulo, na tentativa de incutir no leitor o quanto supostamente seria mais vantajoso ser servidor público ou agente político, em vez de trabalhar na iniciativa privada.

Numa primeira análise, e antes de entrar nos detalhes do quadro, percebe-se a insistente covardia de tais setores da imprensa em não mencionar o Ministério Público, o qual possui as mesmas garantias e vantagens da magistratura —e, na prática, por vezes possui até mais vantagens.

Ainda em início de análise, os jornalistas Ranier Bragon e Paulo Gama colocam parlamentares e magistrados “no mesmo saco”, mencionando “carro com motorista”, “cotão” para “torrar” em restaurantes, e até jatinhos, embora tais vantagens sejam inimagináveis a 99% dos magistrados brasileiros. “Jatinho”, então, a 100%. E omitiram, por exemplo, a verba parlamentar para assessores, enquanto os magistrados paulistas de primeira instância lutam para aprovação, na Assembléia, de uma lei que lhes permita possuir pelo menos um assessor —cujo salário será infinitamente menor que de um assessor parlamentar.

Também mencionaram o recente recesso de 18 dias no final do ano, ocorrido no Judiciário de São Paulo, esquecendo-se que isso ocorreu com resistência do Judiciário Paulista para atender pedidos incessantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) e Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), com apoio do Conselho Nacional de Justiça, para que os advogados pudessem ter um descanso.

É certo, ainda, que no maior Judiciário da América Latina (Paulista), certamente muitos juízes usaram tal recesso para colocar o serviço em dia —realidade que muitos da imprensa contestam, embora já tenham sido inúmeras vezes convidados a constatar.

Adentrando-se, então, no quadro propriamente dito, o que mais chama a atenção é a ausência de algumas vantagens importantíssimas da iniciativa privada, e que fazem toda a diferença para a conclusão da análise.

Menciona-se, em primeiro lugar, o limite de 44 horas semanais de trabalho, além dos quais os trabalhadores da iniciativa privada têm direito a horas extraordinárias, remuneradas em, no mínimo, 50% a mais que a hora normal. Na mesma linha, há os adicionais, especialmente o noturno e de periculosidade (os juízes criminais que o digam).

Em São Paulo, embora a imprensa não acredite ou não queira que o povo acredite —embora sempre convidada a constatar—, é corriqueiro magistrados trabalharem muito além de 44 horas semanais, sendo comum o trabalho em finais de semana, feriados e até o gasto de um dos períodos de férias para colocar em dia a carga de trabalho que é a mais pesada do Planeta Terra —conforme dados já publicados pelo Banco Mundial, Organização Mundial da Saúde (OMS) e Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Só essa realidade compensa, com sobras, a suposta vantagem de 30 dias a mais de férias. E, se essa “vantagem” fosse trocada por limite de jornada de trabalho, certamente sairia muito mais caro ao contribuinte.

Outra omissão importante, relativa à iniciativa privada, foi a possibilidade de recebimento de participação nos lucros e resultados (PLR) e/ou prêmios por produtividade, o que, em níveis de gerência e diretoria (únicas funções que se podem comparar à responsabilidade de um magistrado), ocorrem em valores bem elevados. E compensam com sobras as licenças-prêmio, que nem todos os magistrados brasileiros possuem —quando são pagas em dia…

Ainda quanto a esse aspecto, é muito comum que empresas privadas custeiem plano de saúde de boa qualidade aos seus empregados e parentes próximos, custeiem transporte fretado, além de tais empresas terem obrigação de manter a salubridade do ambiente de trabalho, sob pena de pesadas multas. No mesmo sentido, se qualquer trabalhador tiver um direito seu negado, possui a seu favor a Justiça do Trabalho, cuja eficiência é notória.

Enquanto isso, os magistrados e servidores do Judiciário paulista, com seu salário líquido (que é substancialmente inferior ao bruto divulgado), têm que custear do bolso plano de saúde para si e sua família. Muitos trabalham em fóruns que mais parecem escombros e que não passariam por uma superficial análise do corpo de bombeiros e fiscalização do trabalho. E, quando não têm pagos seus direitos devidos —inclusive as tão festejadas férias—, devem se submeter a receber em “suaves prestações” a perder de vista, ou entrar com ação contra o próprio Judiciário, para receber por precatório. Alguns morrem antes disso.

Outra matéria importantíssima é o reajuste salarial. Os magistrados não o têm há quase quatro anos e a defasagem, no cálculo mais conservador, é de mais de 15%. E quando pedem mero reajuste das perdas inflacionárias, são taxados de “marajás”, por perseguir suposto “aumento”. Enquanto isso, a maioria dos trabalhadores organizados da iniciativa privada possui data-base e, conforme matérias divulgadas pela própria Folha de S.Paulo, vêm tendo reajustes acima da inflação, ou seja, aumento real.

Importante também mencionar que os trabalhadores da iniciativa privada se aposentam pelo teto, porque contribuem no limite do teto, sem contar que uma parcela da contribuição é dada pelo empregador. Enquanto isso, os servidores públicos e agentes políticos federais e do Estado de São Paulo se aposentam com salário integral, porque têm descontado mensalmente de seu contra-cheque 11% de seu salário bruto.

Em vez de a Folha de S.Paulo mencionar isso, a mesma, maquiavelicamente, apenas cita o abono de permanência como se fosse supostamente uma vantagem do magistrado (que também é dos membros do Ministério Público). Mas, na verdade, é uma vantagem do contribuinte, pois se o magistrado, com tempo para aposentadoria, se aposentasse, seu lugar teria de ser reposto, e o gasto seria muito maior que o incentivo de 11% para que tal profissional continue trabalhando, mesmo podendo se aposentar.

A Folha de S.Paulo, ainda, em vez de mencionar apenas o “salário médio” do setor privado, podia e deveria apresentar os salários médios —e vantagens— de profissionais com mesmo nível de capacitação e responsabilidade de um magistrado (se é que isso é possível), pois constataria —e informaria seus leitores— que financeiramente não há vantagem alguma da segunda profissão ou, no mínimo, que vantagens e desvantagens se equiparam.

É bom lembrar que, salvo os cargos públicos que dependem de eleição, os demais cargos públicos são alcançáveis mediante concurso público, de forma que, se alguém da iniciativa privada quiser usufruir das “vantagens” de ser agente público, basta fazer como fizeram tais agentes, ou seja, estudaram horas a fio durante anos, sem prejuízo do trabalho para sustentar a família, e um dia foram aprovados por seus esforços. Isso significa “mérito” e somente em regimes comunistas totalitários é visto como “privilégio”.

Finalmente, e para desmascarar mais um mito, é bom lembrar que os salários e vantagens de todas as pessoas são pagos pelo “povo”. Os salários dos jornalistas e lucros das empresas privadas de jornalismo, por exemplo, são pagos pelos assinantes (“povo”), pelos anunciantes (“povo”), estes últimos que vendem produtos que são comprados pelo mesmo “povo”.

Logo, o “povo” custeia os salários e vantagens dos servidores públicos e agentes políticos tanto quanto custeia os salários milionários de jogadores de futebol, artistas e apresentadores de televisão, gerentes e diretores de empresas, de bancos etc.

Fernando Henrique Pinto é juiz da 2ª Vara da Família e das Sucessões de Jacareí (SP).

Comentário meu: Republico o texto e confesso a minha perplexidade com as entidades dos magistrados que conseguiram transformar uma notícia positiva para a classe em negativa. Refiro-me à constatação feita pelo COAF que em relação à 250.000 CPFs de magistrados, funcionários do Judiciário e parentes próximos encontrou operações atípicas, sujeitas a apuração, em 205 CPFs. Vou repetir: 205 CPFs em 250.000 CPFs, ou seja 0,1%. Portanto, 99,9% não tinham qualquer acusação. Ora, isso era para ser alardeado como um fato positivo. Pois bem , as entidades preferiram ir ao STF para que o CNJ não apurasse a responsabilidade dos 0,1% e como isso terminaram passando para a opinião pública uma imagem distorcida. Reitero: a Magistratura em sua esmagadora maioria, no caso, 99,9%, é formada por pessoas sérias. Como em todas as carreiras, a da magistratura também tem as exceções e pela ação, a meu ver, desastrada das entidades representativas da classe a percepção que passou para a opinião pública foi inversa.