Idade para juízes tem de ser ampliada

Editorial de O Globo de hoje:

Critérios de nomeação para funções de Estado são um tema sensível, pois costumam envolver muitos interesses, vários de corporações. Talvez por isso tendam a ficar cristalizados. Mas se as normas não devem ser alteradas com frequência, por pressões políticas, também não podem ser eternizadas, como se fossem imunes às mudanças na sociedade.

O assunto tem importância real em função de uma proposta de emenda à Constituição, de autoria do senador Pedro Simon (PMDB-RS), batizada de “PEC da Bengala”, que eleva de 70 para 75 anos de idade o limite para os servidores enquadrados no regime de aposentadoria compulsória. Um forte argumento a favor da proposta é a própria evolução da demografia do país: quando foi criado o atual limite, há mais de meio século, a expectativa de vida do brasileiro era de 55 anos. Hoje, se aproxima de 74.

Manter este defasado critério significa afastar do serviço público pessoas no auge da experiência e maturidade profissionais. No atual ministério, há o exemplo do novo ministro da Ciência e Tecnologia, o físico e matemático Marco Antônio Raupp, 73, ex-presidente da Agência Espacial Brasileira. Se fosse servidor de carreira, Raupp teria vestido compulsoriamente o pijama, e o Estado, perdido um quadro de alta qualificação, de que o país é muito carente.

O projeto de emenda, por ter reflexos na renovação na cúpula de altas Cortes do Judiciário, atrai oposição cerrada de magistrados mais jovens, interessados em apressar a ascensão profissional. Mas isto não deve impedir que se aprove uma mudança constitucional para o bom funcionamento de setores-chave da máquina do Estado.

No Supremo, há implicações mais sutis. Dos 11 ministros, dois, Cezar Peluso e Ayres Britto, o atual e o próximo presidente da Corte — que assume em 24 de abril — atingem a idade-limite em setembro e novembro. Os dois já foram escolhidos por Lula. Assim, a mesma força política terá indicado, até o fim do ano, dez ministros e preenchido oito das 11 vagas. Por óbvio, como está provado na prática, ministro não vota em função de quem o indicou.

Mas essa coincidência não é benéfica à estabilidade institucional e segurança jurídica. Nos Estados Unidos, dos quais copiamos o modelo de indicação do magistrado pelo presidente, o problema não existe porque ministro da Suprema Corte é cargo vitalício, uma alternativa que não vale a pena importar.

O limite de 70 anos para os magistrados, conjugado com a possibilidade de dois mandatos sucessivos no Executivo, cria este conflito, e mais ainda se, depois de oito anos no poder, o presidente fizer o sucessor. O Estado de São Paulo vive idêntica situação pela longa permanência do PSDB e aliados no Palácio dos Bandeirantes.

A existência na pauta do STF do processo do mensalão, o maior escândalo político da República a chegar à Justiça, expõe o governo Dilma e a própria Corte. Na hipótese de ele ir a plenário depois da aposentadoria de Peluso e Ayres Britto, haverá desgastantes mas inevitáveis especulações sobre os nomes a serem encaminhados ao Congresso pelo Planalto.

Não ajudam ao governo nem ao STF boatos sobre supostas negociações espúrias em torno da substituição dos dois ministros, em função do mensalão.

Já aprovada no Senado e em comissões na Câmara, a PEC da Bengala depende apenas de o presidente da Casa, Marco Maia (PT-SP), agendar a sua votação em plenário. Deveria fazê-lo o mais rapidamente possível.

Comentário meu: A PEC da Bengala tem prós e contras, mas nada justifica não votar. É preciso decidir e virar essa página, para um lado ou para o outro.