Do CONSULTOR JURÍDICO por Rodrigo Haidar
Parte dos diálogos captados pela Polícia Federal nas investigações da operação Monte Carlo revela que o senador Demóstenes Torres (sem partido-GO) e outros membros do grupo do empresário Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, insinuavam interferência indevida em decisões judiciais. Em alguns trechos, o senador e outras pessoas simulam influência sobre ministros do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, mas em nenhum caso o aventado lobby teve resultado.
No afã de impressionar Cachoeira, Demóstenes, por exemplo, não economiza criatividade. Em um caso quando o ministro Gilmar Mendes reconhece a competência do STF para examinar um conflito federativo (algo óbvio quando União e estados entram em litígio), o senador não só diz que ele “conseguiu” a decisão, como também que o ministro “deu repercussão geral”.
A ação era uma Reclamação. Como se sabe, é exigido o reconhecimento de repercussão geral apenas nos recursos extraordinários que chegam ao Supremo, nunca em reclamações. E ainda que isso fosse possível, o reconhecimento de repercussão depende do voto de 2/3 do plenário do tribunal. O ministro não a reconhece sozinho.
O senador explorava prestígio de um lado e a ignorância de seu chefe, ou cliente, de outro. Não é um truque novo. Sabe-se que existe a prática de advogados que, por conhecerem a jurisprudência dos tribunais, “preveem” com certa facilidade o desfecho do processo e convencem o cliente de que é preciso “comprar” a decisão. Como a vitória é certa, embolsam o dinheiro e, de quebra, vendem a imagem de que têm influência junto a juízes que, muitas vezes, sequer desconfiam que estejam à venda.
O caso do senador Demóstenes Torres se enquadra nessa prática. Como já observou um ministro aposentado, depois de uma audiência, o advogado pode dizer o que quiser ao cliente, e terá 50% de chances de acertar. O senador e assessores que informavam Cachoeira sobre causas de seu interesse erraram — ou mentiram ao chefe —, ao menos com ministros citados nominalmente nas conversas.
Um exemplo é o voto do ministro Mauro Campbell Marques, do STJ, em um dos recursos monitorados pelo grupo. No dia 15 de junho do ano passado, Demóstenes e Cachoeira conversam e citam o ministro:
Cachoeira: — Agora, o seguinte, você viu aí esse vereador de (incompreensível) esse Campbell, ele pediu aí, parece que, você leu aí? Tem que correr atrás disso aí.
Demóstenes: — Pediu, é pedido nosso, você mandou eu ir lá atrás dele pra pedir, uai. Eu já voltei nele lá e falei que não tem interesse não. Pregar fumo no cara aí.
Cachoeira: — Pediu agora, pediu depois que você falou com ele, uai.
Demóstenes: — De jeito nenhum, ele pediu vista lá atrás, nós fomos lá, aquela época, você levou ele lá, eu pedi e aí eu fui atrás do ministro e pedi. O ministro pediu pauta pra incluir agora. Eu fui lá e pedi pra ele devolver e pregar fumo no sujeito. Falei que não tinha mais interesse. Você entendeu?
Mas o ministro Mauro Campbell não “pregou fumo” no sujeito em questão. E nem poderia, porque já havia proferido seu voto, que contrariava os interesses do grupo de Carlinhos Cachoeira, oito dias antes da conversa, na sessão de 7 de junho de 2011.
Campbell votou pela anulação do processo por improbidade administrativa contra o presidente da Câmara Municipal de Anápolis (GO), Amilton Batista de Faria (PTB), exatamente como não queria o grupo. O ministro considerou que houve cerceamento de defesa porque ele não foi intimado para a oitiva de uma das testemunhas da ação.
O ministro Campbell Marques foi o único a votar pela anulação do processo contra o vereador. Outros três ministros da 2ª Turma acolheram a tese de que a falta de intimação não é suficiente para anular o processo por improbidade, sob a acusação de que o vereador contratou uma funcionária fantasma. Logo, pode-se concluir que “pregaram fumo no sujeito” a pedido de Demóstenes? Não.
Embates como esses são sempre controversos em tribunais e existem decisões fundamentadas em ambos os sentidos. A tese vencedora também encontra abrigo na melhor doutrina jurídica. O relator do caso, ministro Humberto Martins, afirmou em seu voto: “Em uma colisão de princípios, não há uma relação de precedência absoluta. A preponderância de um sobre o outro dependerá do caso concreto, que, em razão das específicas condições, revelará qual princípio tem mais peso e por tal motivo deve prevalecer”.
No caso, a maioria dos ministros entendeu que a falta de intimação, apesar de irregular, não trouxe prejuízo ao réu. Por isso, o recurso foi negado. Quem conhece e quem não conhece o funcionamento dos tribunais, quem é e quem não é recebido por ministros, poderia prever esse resultado, com 50% de chances de acertar. O próprio relatório da PF, no caso, afirma que não há nada que mereça ser investigado na conduta dos ministros.