Por Wálter Maierovitch, da CARTA CAPITAL
A greve dos militares baianos ficou desmoralizada quando se descobriu, por legais interceptações telefônicas, a ordem do seu líder, Marco Prisco, para a execução de ações de matriz terrorista.
Cerca de 2,6 mil soldados do Exército fazem a segurança nas ruas de Salvador durante greve da Polícia Militar, que se espalhou para o Rio de Janeiro. Foto: Carla Ornelas/Governo da Bahia
Também pelo solar conflito de interesse a envolver o seu líder maior, que perseguia em benéfico próprio, pois expulso há anos da corporação militar, uma anistia ampla, com recolhimento de mandados de prisão expedidos pela Justiça.
Desmoralizado e preso, a solidariedade, por meio de greves em outros estados federados, jamais contará com apoio popular.
No Brasil, foi lento o reconhecimento da importância das greves como fator fundamental de equilíbrio nas relações trabalhistas.
Nossa história recente aponta períodos de criminalizações e de proibições de paredes durante os regimes de exceção. Com a Constituição de 1988, a greve firmou-se como direito social relativo.
Os constitucionalistas estenderam aos policiais militares as mesmas restrições estabelecidas para os integrantes das Forças Armadas, ou seja, existem para eles proibições de greve, de se organizarem em sindicatos e de se filiarem a partidos políticos.
Quanto à greve, seguiu-se o modelo europeu de o interesse público suplantar o corporativo, tudo de modo a preservar a tranquilidade do cidadão.
A Constituição, sobre greves como a baiana, criou instrumentos de intervenção federal, como, por exemplo, os estados de Defesa e de Sítio. Apesar das restrições constitucionais, o emprego da arte de Procusto sempre esteve presente nas paredes de militares estaduais. Esse ladrão e assassino da mitologia grega agia na estrada que conduzia a Atenas.
Ele preparava armadilhas para confundir viajantes e obrigá-los a pedir-lhe guarida. Procusto, então, partia para adaptações e moldava o corpo do viajante ao leito de morte ofertado. Para tanto, cortava cabeças e membros do viajante, no caso de a cama ser pequena. Caso fosse uma king-size, ele esticava e destroçava o corpo.
Com efeito, com artes de Procusto, policiais militares fundam associações esportivas, culturais e de mútuo auxílio. No fundo e sem o rótulo de sindicatos, elas fazem lobby no Parlamento, promovem greves e arregimentam crianças e mulheres como escudos humanos, como assistido na Bahia.
Ao se afastar por licença da corporação, o militar pode se filiar a partido político e concorrer a eleições. Volta à corporação se perder ou, se ganhar, prorroga a licença pelo tempo de mandato, com direito a optar pela remuneração e vantagens de parlamentar.
Só para lembrar, no dia 31 de janeiro deste ano foi a Associação dos Policiais, Bombeiros e de seus Familiares (-Aspra) a organizar, pelo seu líder filiado ao partido político PSDB e ex-bombeiro Marco Prisco, a greve baiana e -fornecer o s-inal verde que resultou uma escalada de crimes de homicídio e contra o patrimônio. Diferentemente do feito por policiais em países civilizados, os agentes baianos partiram para a ilegitimidade (violação à Constituição) e a ilegalidade (violação às leis ordinárias).
Em tempo de redes sociais e infovias, preferiram a violência quando à disposição existiam outros mecanismos para sensibilizar a sociedade civil e obter apoio por justa reivindicação salarial.
O movimento paredista baiano e os recentes episódios paulistas do Pinheirinho, da Cracolândia e do campus da USP representam a prova provada de termos em função pública de segurança policiais militares não educados à legalidade democrática. Como revelam pesquisas de opinião anteriores à parede baiana e realizadas em vários estados, os policiais militares são temidos pela violência no trato com o comum do povo.
A militarização mantida pela Constituição de 1988, o uso populista das corporações por governadores estaduais com discursos enganosos de tolerância zero e o recurso à doutrina da Lei e da Ordem, reforçaram, no meio policial militar, a cultura da violência.
Na verdade, ao Brasil falta uma política nacional de segurança pública e os policiais militares auferem remunerações baixas, inadequadas em face de atuarem na linha de frente. A Emenda Constitucional 300, voltada a unificar o piso salarial, tramita desde 2008.
Muitos parlamentares preferem, para empurrar a PEC 300, o discurso míope das diferenças regionais. Ora, o crime organizado é transnacional e não observa fronteiras estaduais. As redes operadas pelas internacionais criminosas, em qualquer ponto do território nacional, ofertam armas, munições, drogas e subornam policiais. Além disso, existe o interesse das chamadas “Ecomáfias”.
O Congresso deveria priorizar o exame da Emenda 300 e o governo federal debruçar-se sobre uma política de segurança pública. Por seu turno, os partidos políticos deveriam abandonar a ética ambígua de explorar greves para minar a figura do governador. A propósito, os partidos PT e PSDB já experimentaram, na Bahia, da mesma peçonha.