Há uma grande confusão no Brasil de hoje em relação ao chamado “foro privilegiado” que, em verdade, não existe. O que existe é o “foro especial por prerrogativa de função” nos processos criminais. Ou seja, não existe privilegio de “pessoas”, existe uma prerrogativa relativa ao “cargo” que determinada pessoa exerce e somente enquanto ela o exerce. No dia que deixar de exercer, deixa de ter a prerrogativa. Por exemplo, alguém que exerce um cargo como de Ministro de Estado ou Senador da República tem a prerrogativa pela função exercida de ser julgado nas ações criminais pelo Supremo Tribunal Federal. Se for governador ou conselheiro do Tribunal de Contas será julgado pelo Superior Tribunal de Justiça. Se for secretário de estado, deputado estadual ou juiz de direito será julgado pelo Tribunal de Justiça.
A razão da confusão diz respeito a que muitas pessoas querem que membros do Congresso Nacional envolvidos na Operação Lava Jato não sejam julgados pelo Supremo Tribunal Federal (seria lento e protegeria os corruptos, no dizer deles), mas sim pelo Juiz Sérgio Moro (rápido e duro com corruptos). Como pela prerrogativa de função os parlamentares federais só podem ser julgados pelo STF os que defendem o fim da prerrogativa de função querem acabar com ela. Em primeiro lugar, nem o Juiz Sérgio Moro é infalível, nem o STF é lento e protetor dos corruptos. São situações bem diferentes, apesar de que existam muitas críticas em relação ao funcionamento do STF. Depois, a discussão não pode, nem deve ser simplória. Há que abranger tudo, todas as prerrogativas de função, e não apenas as dos parlamentares federais. E por incrível que pareça ela não prossegue quando se diz:
– “Vamos, então, acabar para todos os cargos”.
Então, os mesmos que querem o Juiz Sérgio Moro julgando os parlamentares federais, retrucam:
– “Aí, não; não é bem assim; imagina um Ministro do STF sendo julgado por um Juiz de Direito?”.
Creio que o assunto há que ser discutido abrangendo tudo, sem excluir nada, mas deixando de lado a emoção, com a razão prevalecendo. Se isso for feito, ao final, muitos vão entender que a questão é muito mais ampla do que simplesmente esse debate limitado do fim da prerrogativa de função que estão querendo fazer como se fosse uma panaceia que curaria todos os males.
E essa confusão aumenta quando alguns defendem que os parlamentares tenham prerrogativa de função apenas em relação às suas posições políticas. Isso é a mais absoluta falta de conhecimento da política e da Constituição, pois não se trata de prerrogativa de função. Isso é “imunidade parlamentar” e esta, a meu ver, sequer deve entrar em debate, pois é a base da democracia representativa e um freio na ação de governantes truculentos, autoritários e arbitrários, de hoje e de ontem, Brasil afora, que querem calar as vozes que deles discordam.
Importante registrar que tanto a CF/88, art. 53, quanto a CF/67, art. 34, esta última em pleno regime militar, asseguraram:
Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.
Art. 34 – Os Deputados e Senadores são invioláveis no exercício de mandato, por suas opiniões, palavras e votos.
Por último, é bom lembrar que como o julgamento dos parlamentares federais é no STF, esta é a única instancia. Depois, não há mais recurso. Condenado lá vai direto cumprir a pena. Bem diferente se o julgamento for feito inicialmente na primeira instancia e obedecer ao rito normal. Sendo assim, na prática, o que aparentemente favorece aos parlamentares federais, em verdade, pode ter efeito inverso.
Portanto, que se faça o debate, com racionalidade e sem emoção.
Vamos a ele?