Fonte: G1
É a primeira parte da proposta de reforma tributária do governo enviada ao Congresso. Texto não inclui tributos estaduais e municipais na unificação e mantém nível de arrecadação da União.
Por Alexandro Martello e Lais Lis, G1 — Brasília
O ministro da Economia, Paulo Guedes, enviou nesta terça-feira (21) ao Congresso Nacional a primeira parte da proposta de reforma tributária do governo, envolvendo a tributação sobre o consumo.
A proposta prevê a unificação do PIS e do Cofins (incidente sobre a receita, folha de salários e importação), criando um tributo sobre valor agregado, com o nome de Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS).
A alíquota proposta é de 12% para as empresas e de 5,8% para instituições financeiras porque estas últimas, de acordo com o governo, “não apropriam nem permitem a apropriação de créditos”.
O projeto é a primeira etapa das mudanças a serem propostas pelo governo para o sistema tributário brasileiro, considerado complexo demais por investidores internacionais.
No início da noite desta terça-feira, o “Diário Oficial da União” publicou mensagem do presidente Jair Bolsonaro na qual ele pede ao Congresso regime de urgência para a tramitação da reforma tributária.
Neste momento, a área econômica ainda não tratou de mudanças em outras bases de tributação, como a renda, o patrimônio e transações digitais — que serão enviadas noutros momentos.
Para não ter de mexer na Constituição Federal, o CBS proposto ficará restrito à arrecadação federal, sem mexer no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS, estadual) e no Imposto sobre Serviços (ISS, municipal).
“Em respeito à federação e ao Congresso, não cabe ao ministro da Fazenda e sim ao Congresso, legislar sobre as relações entre os entes federativos. Não posso invadir o território dos prefeitos, falando sobre ISS, e dos governadores, falando sobre ICMS. Apoiamos o acoplamento desses impostos. Pode ser que haja estados que querem acoplar, e estados que não. Mas é sobretudo uma tarefa do Congresso”, disse o ministro da Economia, Paulo Guedes.
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Igrejas e sindicatos
De acordo com o Ministério da Economia, a CBS incide sobre a receita de venda de bens e serviços e, portanto, as pessoas jurídicas que não exercem atividade econômica não sofrem incidência sobre suas atividades típicas.
Entre essas pessoas jurídicas, estão igrejas, partidos políticos, sindicatos, fundações, entidades representativas de classe, serviços sociais autônomos, instituições de assistência social.
“Além disso, a Constituição Federal concede imunidade às entidades beneficentes de assistência social, que atualmente devem ser certificadas pelo Ministério competente”, acrescentou.
Manutenção da arrecadação
A área econômica informou que a alíquota proposta para o tributo tem por objetivo manter o atual patamar de arrecadação do governo federal sobre o consumo. Com isso, não atende ao pleito de ceder parte da receita desses impostos a estados e municípios.
“As contribuições substituídas respondem por mais de 20% da arrecadação tributária federal, e a instituição da CBS pretende manter a mesma carga tributária total das contribuições substituídas, conquanto inevitavelmente haja variações na carga individual suportada pelos contribuintes”, informou o governo.
Em 2018, o PIS-Pasep e a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) arrecadaram R$ 310 bilhões, de um total de R$ 1,54 trilhão de todos os tributos federais no período, segundo dados da Receita Federal.
- Assim como as outras propostas de reforma tributária que já estão sendo debatidas no Congresso Nacional, o texto do governo não reduz a tributação sobre o consumo — o que penaliza a parcela mais pobre da população.
- Em 2016, no Brasil, 48% da arrecadação incidiu sobre o consumo, contra 33% na média da OCDE, grupo que reúne as nações mais desenvolvidas do planeta e 18% nos Estados Unidos.
- A consequência da concentração maior da carga tributária brasileira sobre o consumo no Brasil é o alto grau de “regressividade” (se arrecada proporcionalmente mais de quem ganha menos).
Regimes diferenciados
De acordo com o governo, haverá manutenção de alguns regimes diferenciados, ou seja, exceções à regra. São eles:
- Simples Nacional: não muda. Empresa que adquirir bens e serviços de optante pelo Simples poderá apurar crédito.
- Manutenção do regime agrícola dá condições iguais de concorrência para pequenos agricultores já que apenas empresas podem apurar e transferir créditos da CBS.
- Regime monofásico (por unidade de medida) continua para produtos como gasolina, diesel, GLP, gás natural, querosene de aviação, biodiesel, álcool e cigarros.
- Isenção na venda de imóveis residenciais para pessoas físicas
- Como tem previsão constitucional, a Zona Franca de Manaus fica mantida, mas com simplificação das regras e procedimentos.
- As cooperativas têm isenção em operações entre elas e seus associados.
- Transporte coletivo: isenção para receitas decorrentes da prestação de serviços de transporte público coletivo.
Setores da economia
Segundo o presidente da Confederação Nacional de Serviços (CNS), Luigi Nese, a unificação da contribuição ao PIS com a Cofins em uma sistemática não cumulativa, independentemente da alíquota praticada, teria impacto negativo nos setores da agropecuária, da indústria extrativa, da construção civil e dos serviços privados não financeiros, com elevação de suas cargas tributárias.
Por isso, Nese defendeu que também ocorra a substituição da contribuição patronal do INSS, de parte da contribuição dos trabalhadores e do salário-educação por um imposto sobre movimentações financeiras. Na visão dele, isso seria uma “forma eficaz e simples de compensar esses efeitos negativos” da unificação do PIS-Cofins.
O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins, observou que a proposta do governo isenta de tributação as vendas de imóveis residenciais. Para ele, essa é uma vitória para o setor e terá um impacto decisivo sobre os preços dos imóveis e para o mercado imobiliário como um todo.
O G1 entrou em contato com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), com a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e com a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e, até a última atualização desta reportagem, aguardava um posicionamento sobre a proposta de mudança na tributação sobre o consumo do governo federal.
Reforma difícil
Diferentes governos tentaram, sem sucesso, fazer a reforma tributária nas últimas décadas, focados principalmente na tributação sobre o consumo.
As tentativas esbarraram em resistências regionais, partidárias e de diferentes setores produtivos, todos representados no Congresso Nacional.
A simplificação da cobrança de impostos é considerada por especialistas como fundamental para a retomada do crescimento econômico.
Analistas e investidores reclamam do elevado número de tributos e da complexidade do sistema tributário brasileiro, e avaliam que isso afasta investimentos. No caso do ICMS estadual, por exemplo, há 27 diferentes legislações vigentes no país.
Tramitação no Congresso
A área econômica avalia que uma nova contribuição federal sobre o consumo é compatível com as propostas de emenda à Constituição (PECs) em discussão no Congresso Nacional.
Isso significa que, se houver a posterior unificação com os impostos estaduais e municipais, o imposto sobre valor agregado poderá ser incorporado. Se não, pode seguir separado dos tributos estaduais.
Atualmente, há duas propostas sendo discutidas pelo Congresso Nacional, na comissão especial da reforma tributária, formada por deputados e senadores. A proposta do governo também será enviada para essa comissão.
- A primeira, de autoria do economista Bernard Appy, do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), prevê a substituição de cinco tributos (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) por um só, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
- A segunda, tramitando no Senado, do ex-deputado Luiz Carlos Hauly, que prevê a substituição de nove impostos por um e cria um imposto seletivo.
Posição dos estados
Nesta terça-feira, em audiência pública na comissão especial sobre o novo coronavírus, no Congresso Nacional, o presidente do Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz), Rafael Fonteles, defendeu uma proposta mais ampla para as mudanças na tributação sobre o consumo – envolvendo também os tributos estaduais e federais.
Enviada ao Congresso Nacional no ano passado, a proposta dos secretários de Fazenda dos estados prevê um período de 10 anos até a implantação total do Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS) – tributo sobre consumo a ser cobrado no destino e que substituiria outros cincos (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS), segundo Fonteles.
O secretário de Fazenda de São Paulo, o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles, também defendeu a proposta dos estados.
“Foi a primeira vez em 30 anos que os estados chegaram a um acordo, é muito importante, o projeto é muito equilibrado, contemplando diferentes regiões do país. Colocando tributação no destino e eliminando guerras fiscais. O governo federal quer concentrar impostos federais, perfeitamente. Mas vamos manter o substitutivo dos estados, fazendo uma unificação [dos tributos estaduais e municipais também]”, declarou.