Com quase dois anos de antecedência em relação ao pleito, e a despeito do país estar vivendo momentos de indefinições e inseguranças estruturais e iminência de instabilidade econômica, a classe politica do Brasil está predominantemente concentrada na preparação e expectativa do jogo eleitoral. A intensidade e prioridade dessa obsessão têm trazido danos substantivos para o conjunto da sociedade, posto que os interesses privados e do imediatismo eleitoreiro, costumam negligenciar o bem comum. O debate entre os atores e pensadores da questão nacional, suas alternativas de crescimento, do combate à desigualdade social e da distribuição injusta dos frutos do progresso, é substituído por medidas messiânicas de abolição da miséria, focadas na compulsão pelo voto, o substrato institucional do poder. Como se a miséria fosse apenas pecuniária.
Neste sábado, Gilberto Mestrinho, que partiu em 2009, completaria 85 anos, de uma trajetória que foi marcada por um conceito e uma prática politica diferenciada. Igualmente focado nos parâmetros do respaldo eleitoral, com virtudes e vícios como todos os mortais, sua conduta, contudo, era a de quem pautava a promoção do interesse coletivo, materializada em medidas, projetos e ações de longo prazo tendo em vista a transformação das condições de vida e de prosperidade do tecido social. Daí sua presença, envolvimento e contribuição, a partir dos anos 50, nos momentos decisivos que tiraram o Amazonas da estagnação provocada pela segunda falência da economia da borracha, após a II Guerra Mundial.
Governador do Amazonas, pela primeira vez em 1958 – ele já tinha sido prefeito de Manaus em 1956, depois deputado federal, mais dois mandatos de governador e, finalmente, senador da República, de 1999 a 2006, o Boto, como se permitia tratar nos últimos anos, era um homem atento ao seu tempo, sem desgrudar o olhar no futuro de sua gente. Com Almino Afonso, que depois chegou a ser governador de São Paulo, Arthur Virgílio Filho, e tantos outros companheiros, Gilberto lutou Fundação pela Universidade do Amazonas, pela homologação da Zona Franca de Manaus, 10 anos antes do Decreto-Lei 288/67, através do projeto do deputado Pereirinha, aprovada pelo Congresso, com a Lei de n. 3173/57. Eram anos difíceis, em seus três mandatos executivos, conjuntura nacional adversa, receitas escassas e tudo por ser feito. Na educação, na saúde e na segurança, a intuição de uma sociedade próspera ficou retida na lembrança de quem acompanhou ações, intenções e conquistas do Boto Navegador. No Senado, soube costurar com Arthur Neto e Jeferson Peres e uma bancada na Câmara Federal mobilizada e atenta, os interesses do Estado, a prorrogação da Zona Franca, as verbas do Prosamim, do linhão de Tucuruí, da unidade da Embrapa no Alto Solimões, depois esquecida pelo descaso habitual, nas verbas para biblioteca e recuperação física da UFAM, o volume mais robusto para educação e saúde, que o Amazonas jamais viu no Orçamento da União, nas três oportunidades em que presidiu esta importante Comissão no Congresso Nacional… e por aí foi.
Sem se importar com desgastes junto à imprensa ambientalista, defendeu manejo sustentável de jacaré, das árvores com fins comerciais e ousou denunciar a armação do mundo desenvolvido – os grandes poluidores do planeta – em responsabilizar supostas queimadas da Amazônia pelo aquecimento global nos preparativos da Conferência da ONU, a Rio-92. “O fator humano é o único ser sagrado da escala evolutiva e, se a miséria polui, porque a fome depreda, a melhor maneira de conservar o ambiente é atribuir-lhe uma função econômica”. Essas premissas lhe custaram uma imagem adversa, associada à conivência com a depredação, uma injustiça que a Ciência tratou de remediar e esclarecer em poucas décadas. Antes de partir, e fora do páreo político por opção, planejava mobilizar cientistas, gestores e lideranças comunitárias do beiradão, para traçar um programa mínimo de governo e compromissos para oferecer a quem pretendesse governar seu Amazonas. Lições de um diapasão coerente na arte e desafio de fazer política, no sentido original e literal de sua raiz na Antiga Grécia, de ordenar a polis, o tecido social. Eis a intuição política do Boto, uma paixão que moveu toda sua vida e sobre a qual ainda é oportuno meditar. Parabéns, Gilberto!
(*) Alfredo é filósofo e ensaísta.