Do CONSULTOR JURÍDICO:
Servidor que movimentou milhões é alvo de denúncias
O mistério foi desfeito. Uma nota na coluna de Ancelmo Gois, em O Globo desta quinta-feira (2/2), identifica o analista judiciário Rogério Figueiredo Vieira como o responsável pela movimentação de R$ 282 milhões, no ano de 2002, registrada pelo Conselho de Atividades Financeiras (Coaf) e encaminhada à corregedora do Conselho Nacional de Justiça, Eliane Calmon.
Vieira, porém, naquele ano não era servidor do Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro. Ele ingressou no tribunal, por concurso, na vaga aberta com a aposentadoria do servidor D. B. G., em 28 de fevereiro do ano passado.
Há muito tempo, Vieira é conhecido da Polícia Federal. Um conhecimento resultante de dois fatores. O primeiro é ser irmão do agente de Polícia Federal Hélio Figueiredo Vieira, o “Helinho”, que durante anos trabalhou diretamente com o delegado Roberto Prel. O segundo, na verdade, revela o passado do hoje analista judiciário e justifica toda aquela movimentação financeira: ele foi alvo de investigação do DPF, comandada pelo delegado Marcelo Freire, e denunciado por crimes como descaminho e lavagem de dinheiro.
O Coaf já havia registrado uma movimentação bancária dele superior a de 2002: foram R$ 400 milhões, o que chamou a atenção do hoje procurador regional da República em Brasília, Marcelo Freire, responsável por três denúncias feitas contra o atual analista judiciário do TRT do Rio e pelo pedido de abertura de três inquéritos para investigá-lo em outros supostos crimes (Clique aqui para ler a denúncia 1, denúncia 2 e denúncia 3).
Em abril de 2004, Vieira foi preso no Rio a mando da Justiça do Paraná, conforme noticiou a Folha de São Paulo na época, em uma operação em que a Polícia Civil daquele estado prendeu também os ex-secretários do governo de Jaime Lerner (1995-2002), Ingo Hübert e José Cid Campêlo Filho, sob suspeita de desvio de dinheiro público da Copel (companhia estadual de energia) no total de R$ 16,8 milhões.
O hoje analista judiciário do TRT foi um dos quatro empresários acusados de envolvimento com o esquema que tiveram a prisão decretada.
Mas ele, segundo afirma o procurador Freire, continuou atuando no submundo, principalmente no ramo do descaminho (a importação de produtos sem pagamento dos impostos) com a ajuda de policiais federais e auditores da Receita Federal. Seus esquemas, de acordo com as denúncias, funcionavam de duas formas. O primeiro, batizado de Astronauta, contava com a participação de pessoas que iam ao exterior, notadamente aos Estados Unidos, para trazer muamba eletrônica sem serem fiscalizadas na chegada, já que havia conivência de servidores da Receita e da Polícia Federal no aeroporto.
Estas viagens eram financiadas por empréstimos contraídos junto a instituições financeiras do mercado para empresas fantasmas que o próprio Vieira se encarregava de abrir em nome de laranjas, normalmente empregados domésticos, porteiros e outros trabalhadores de baixa renda que ele cooptava, como acusa o procurador.
Um dos casos sob investigação envolve sete empresas nas quais aparece como responsável Edlaudo Ramalho dos Santos, irmão da governanta que presta serviços a Vieira, Patrícia Ramalho dos Santos. Edlaudo era também o motorista do analista judiciário.
A própria Patrícia, também denunciada, participava do esquema como demonstrou uma conversa telefônica gravada, com autorização judicial, entre ela e Vieira, na qual ele diz estar encaminhando quatro contratos de empresas para ela “assinar e devolver amanhã. Ah, o seu você pode assinar aí mesmo. Eu acho que da Pro Miminko também pode assinar aí mesmo. Você não disse que você assina? Então, assinar aí. Só o do Benjamin que você traz”.
Em uma das denúncias de lavagem de dinheiro ficou demonstrado que parte dos recursos obtidos com o descaminho de mercadoria era usado na compra de carros. Um Honda Civic, placa KVY2909, avaliado em R$ 48 mil, foi adquirido, em fevereiro de 2008, em nome da empregada Patrícia, que não tem carteira de habilitação. As gravações telefônicas pegaram o próprio analista judiciário tratando, como se fosse advogado da governanta, da carta de crédito junto à concessionária Honda Oriental, no bairro de Campo Grande, zona Oeste do Rio de Janeiro. Depois, a investigação policial flagrou Vieira utilizando-se do Honda, como diz um informe da polícia transcrito na denúncia:
“O Honda Civic recentemente adquirido vem sendo utilizado por Rogério, afirmação essa que pode ser comprovada de duas maneiras: por meio de diálogo telefônico interceptado em que ele vai encontrar pessoa a bordo do veículo e pelo Relatório de Vigilância elaborado por equipe de Policiais Federais que flagrou o investigado deixando seu prédio no citado carro, placa KVY 2909”.
Do esquema chamado Astronauta, em que pessoas viajavam para trazer a muamba sem serem fiscalizadas, participaram, por exemplo, Reinaldo Nunes Siqueira Júnior, presos em 10 de janeiro de 2008, no Aeroporto Internacional do Tom Jobim quando desceu do voo 905 da American Airlines trazendo 59 quilos de produtos eletrônicos avaliados em nada menos do que R$ 95.856,72, segundo a denúncia contra Siqueira Junior e Vieira apresentada na 7ª Vara Federal.
O segundo esquema utilizado por ele era através de mercadorias que chegavam ao Brasil pelos correios e também deixavam de ser fiscalizadas no desembarque pelos equipamentos de raio-x da Receita. Vieira, segundo a denúncia, fazia os contatos com fornecedores sediados no exterior em busca de melhores condições para as aquisições.
Ele contava com a ajuda do primo, Armando de Azevedo Vieira, também encarregado dos contatos com dois brasileiros que residiam nos Estados Unidos, Tássio da Rocha Cafezáki e Alexandre Neme dos Santos. Estes, “exerciam, na estrutura do grupo, a função de adquirir as mercadorias no exterior e remetê-las para o Brasil. Ambos atuavam sob a orientação de Rogério, tanto como ‘astronautas’, como no esquema ‘amarelo’”, diz a denuncia.
Os dois brasileiros no exterior recebiam orientação sobre como despachar a mercadoria e em nome de quem deveria destiná-las, para, como denunciou o procurador Freire, permitir a “identificação dos volumes de interesse da organização criminosa, por parte de funcionários públicos ligados ao grupo, responsáveis pela fiscalização alfandegária das remessas postais, garantindo o trânsito livre dos pacotes e o não recolhimento dos tributos devidos”.
“Os bens adquiridos, em sua maioria produtos de informática, caracterizavam-se por pequeno volume individual e elevado valor agregado. Normalmente vinham com falsas declarações de importação”, acrescenta ele na denúncia.
Em setembro do ano passado todo o esquema foi desmontado pela Operação Voo Livre, em um trabalho conjunto da Receita Federal, Polícia Federal e Procuradoria da República do Rio de janeiro. A operação, segundo noticiou-se à época, atingiu 12 servidores da Receita, três policiais federais e mais de 100 pessoas que faziam as viagens para trazer mercadoria sem pagamento de impostos. Por conta da operação, Freire apresentou sete denúncias à Justiça e pediu a abertura de 54 inquéritos. Seus colegas da Procuradoria do Rio também apresentaram denúncias. Com isto, o analista judiciário do TRT-RJ tornou-se também réu na Justiça Federal do Rio.
Marcelo Auler é jornalista.