Neste início de nova legislatura no Congresso Nacional, está claro que há uma grande responsabilidade nas mãos do PT para garantir a discussão e aprovação de uma reforma política ampla, que redesenhe profundamente nosso sistema partidário, eleitoral e político-institucional.
Como partido que encabeça a coalizão do governo e detém maior bancada do Legislativo, recai sobre ele o dever de colocar o tema na pauta da Câmara e do Senado, atraindo outras legendas que são decisivas em torno de uma reforma cuja importância é consensual, mas que por várias vezes viu sucumbir sua chance de aprovação.
É uma tarefa difícil, porque há grandes diferenças entre as concepções de reforma política por parte das lideranças e por parte dos partidos. Haverá sintonia entre o que quer o PSDB e o DEM, por exemplo? Pode-se fazer o mesmo questionamento para as legendas que estão no campo aliado: PMDB e PSB votarão nas mesmas propostas?
Contudo, esses obstáculos —que expressam as divergências de concepção presentes na sociedade— não podem se sobrepor à urgência de fazer a reforma. Não há outra saída, a não ser deixar de lado as diferenças, unir os partidos e criar consensos. O PT terá papel fundamental na costura desse acordo, mas a reforma só sairá se for fruto de um movimento disseminado na sociedade, nos partidos e nas lideranças políticas.
A presidenta, Dilma Rousseff, tem aberto o caminho via seus articuladores políticos para propagar a necessidade da reforma. Ou seja, cumprindo o papel de instigar a discussão e atrair a sociedade para uma reflexão sobre o aprimoramento necessário para que nosso sistema político corresponda à realidade de um Brasil que, a cada dia, é mais desenvolvido e complexo. Esse esforço não pode parar.
Nesta semana, por exemplo, vimos críticas à proposta de adoção da lista fechada —e isso é positivo, porque só o debate e a exposição dos prós e contras dos modelos é que poderemos avançar. O argumento foi o de que o modelo desvirtua o destino do voto e cria superburocracias partidárias, o que se trata de uma simplificação que desconsidera as qualidades do voto em lista e ignora o atual funcionamento do sistema.
Primeiro porque hoje já é o partido que define quem serão os candidatos. Além disso, o processo eleitoral é cada vez mais marcado pela primazia do poder econômico, que ameaça substituir a palavra final do eleitor —ou vamos fingir que não há relação entre volume de dinheiro gasto na campanha e potencial de eleição?
Se o receio é de supressão da vontade popular expressa no voto pelo desejo das direções partidárias, a saída é estabelecer em lei que a lista será composta pelos filiados, em uma indicação democrática em que todos votam e com fiscalização da justiça eleitoral. A lei pode, inclusive, fixar como critério que a lista seja formulada seguindo a proporcionalidade da votação entre os filiados. Em suma, os problemas são perfeitamente contornáveis.
Além disso, o voto em lista valoriza o componente ideológico e programático na relação dos cidadãos com os partidos —os eleitores vão votar nas propostas, não nas pessoas. Do modo como é hoje, um partido pode se utilizar de celebridades para atrair votos e eleger mais representantes —uma forma de “desviar” o voto, mesmo em uma escolha personalizada.
Há várias outras questões de peso postas em jogo: a figura do suplente de senador, que não faz campanha, não debate idéias e pode ganhar uma vaga no Congresso para votar projetos de grande interesse nacional, não pode seguir existindo. Além disso, será mesmo necessário que o senador tenha mandato de oito anos, enquanto o presidente tem mandato de quatro?
A discussão da reforma política passa ainda pela defesa de normas claras de fidelidade partidária, assim como é fundamental substituir o financiamento privado de campanhas pelo financiamento público, corrigindo vícios inerentes ao atual sistema político como o caixa dois e a influência crescente do poder econômico na esfera política.
A reforma do sistema político abarca temas intimamente ligados ao modo como o país evoluirá após as próximas eleições e, por isso, não há espaço para preconceitos e defesa de privilégios. É papel dos partidos impedir que a discussão aconteça de forma superficial, para enaltecer o resultado dos esforços conjuntos. É hora de unirmos forças e criarmos uma Frente pela reforma política, unindo partidos, parlamentares e sociedade em prol de uma realidade institucional mais justa, plural e moderna, que seja mola propulsora do desenvolvimento.
José Dirceu, 64, é advogado, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT