Flor do recesso

Transcrito do Blog do Noblat. Por Ricardo Noblat.

Sempre que o Congresso entra em férias no meio e no fim do ano, desabrocham o que o ex-deputado Thales Ramalho, secretário-geral do antigo MDB, chamava de “flores do recesso”.

São assuntos destinados a ocupar generoso espaço nos meios de comunicação até que o Congresso volte a funcionar. Irrompem de uma hora para a outra. Fenecem de repente.

De longe, a mais viçosa flor do atual recesso é a história do ministro Fernando Bezerra Coelho, da Integração Nacional, que usou quase 90% da verba do programa federal de prevenção de desastres naturais para socorrer Pernambuco, seu Estado, vítima de duas inundações em 2010 e de uma no ano passado.

Mas que cara de pau tem esse ministro…

No ano passado, e novamente neste, fortes chuvas castigam meia dúzia de Estados fazendo transbordarem rios, destruindo casas e estradas, matando e desabrigando gente. E o ministro, cínico e insensível, só se preocupa com a terra onde mercadeja seus votos.

Um abuso! É ou não é?

Inclua-me fora dessa, por favor!

Em junho de 2010, duas inundações varreram parte de Pernambuco. Outra parte foi varrida em maio último.

No total, cerca de 80 mil pessoas ficaram desalojadas e desabrigadas. Tombaram 16 mil casas, 600 escolas, seis hospitais de médio porte e 26 pontes de grande porte.

Em meio à terceira inundação, Dilma telefonou a Eduardo Campos, governador de Pernambuco e presidente do PSB, oferecendo ajuda. Ele pediu R$ 500 milhões para construir um sistema de cinco barragens capaz de evitar a repetição do flagelo. Dilma topou dar a metade. O Estado daria o resto. Negócio fechado.

A ordem de serviço que deu início à obra das barragens foi assinada pela própria Dilma em viagem festiva a Pernambuco. À imprensa local, ela falou sobre o acordo que fizera com Eduardo.

De sua parte, em Brasília, Helena Chagas, ministra da Comunicação Social, encarregou-se no mesmo dia de avisar a respeito o resto da imprensa.

Há R$ 6 bilhões alocados em ministérios para uso em prevenção e combate a desastres naturais. O da Integração Nacional dispunha apenas de R$ 31 milhões. Com o conhecimento de Dilma, remeteu R$ 25 milhões para Pernambuco – o que significa 10% do que foi garantido por ela. Ou 5% do preço das cinco barragens.

Minas Gerais recebeu no ano passado R$ 50 milhões para aplicar nas 80 cidades atingidas pelas chuvas de janeiro. Os reparos só foram concluídos em 15 delas. Há poucos dias, tiveram início em mais dez.

Sumiu gorda parcela do dinheiro reservado para recuperar a semidestruída região serrana do Rio de Janeiro.

O país abriga 251 cidades com risco elevado de desastres naturais.

A tragédia carioca que há um ano custou a vida de mais de mil pessoas acelerou a montagem do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais. Precariamente, 56 cidades vêm sendo monitoradas há dois meses – todas elas no Sul e Sudeste.

Ó paí, ó!

Eduardo lamenta a conduta do governo Dilma quando a imprensa, à falta de escândalos de verdade, imaginou estar diante de um novinho em folha – o primeiro de 2012.

O governo poderia ter respondido à denúncia inaugural e abortado o barulho. Pegaria bem para ele. Evitaria constrangimentos para o ministro e o governador – mas não.

Custou a reagir como de costume. Só o fez ao perceber com quem entrava em rota de colisão direta.

Afinal, Lula trata Eduardo como se fosse um filho adotivo.

Eduardo reelegeu-se vencendo o atual senador Jarbas Vasconcelos (PMDB) em todos os 184 municípios de Pernambuco – em 102 deles com mais de 90% dos votos, em 47 com mais de 95% e em 23 com mais de 98%. Nenhum outro Estado registrou vitória tão acachapante.

Com atraso, coube à ministra do Planejamento repetir de público o que Eduardo havia dito sobre o acordo para a construção das barragens.

Coube também à ministra avalizar tudo o que fez seu colega da Integração Nacional.

Por fim, coube ao presidente do PT incensar as virtudes do PSB, precioso aliado cobiçado por uma oposição enfraquecida.

Entre outras coisas formidáveis, os pernambucanos se gabam de ter a maior avenida em linha reta das Américas (a Caxangá), o maior shopping center do país (o Shopping Recife) e o maior bloco carnavalesco do mundo (O Galo da Madrugada).

Já tiveram uma inesquecível casa em forma de navio na praia de Boa Viagem. Meninos, eu vi!

E debocham deles mesmos ao dizer que os rios Capibaribe e Beberibe se encontram numa esquina do Recife para formar o oceano Atlântico.

Eduardo é o governador mais popular do Brasil com 90% de aprovação, segundo a mais recente pesquisa do Ibope.

A levar-se em conta a mania de grandeza dos seus conterrâneos e o gosto deles pelo inusitado, Eduardo ainda corre o risco de virar unanimidade.