Por Rodrigo Haidar para o CONSULTOR JURÍDICO:
A Lei 12.382/11, que autoriza o presidente da República a fixar o reajuste do salário mínimo por decreto até 2015, é constitucional. Por oito votos a dois, o Supremo Tribunal Federal decidiu, nesta quinta-feira (3/11), que a norma não fere o poder do Congresso Nacional de deliberar anualmente sobre o reajuste ou o aumento real do salário mínimo.
A maioria do tribunal seguiu o entendimento da ministra Cármen Lúcia, relatora do caso, para quem a lei não permite ao Poder Executivo fixar o valor do salário mínimo como bem entender. “Não há fixação de valor pela presidente da República, mas apenas a aplicação aritmética dos índices fixados pelo Congresso Nacional. O decreto não inova a ordem jurídica”, afirmou a ministra.
A lei foi contestada pelos partidos DEM, PPS e PSDB, de oposição ao governo federal. As legendas defenderam que a regra é inconstitucional por ofender “claramente o disposto no artigo 7º, inciso IV, da Constituição Federal”, que determina que o salário mínimo seja fixado em lei. “Lei em sentido formal”, sustentaram na inicial. Para os partidos, o artigo 3º da norma, que permite a fixação do valor por decreto, “se mostra incompatível com a reserva legal estabelecida no inciso IV do artigo 7º da Lei Maior”.
O advogado dos partidos, Renato Campos, alegou da tribuna do Supremo que o Congresso Nacional é o espaço adequado para discussão política sobre as contingências de momento que permeiam a questão do salário mínimo. “Essa discussão não pode ser reduzida a mera equação aritmética porque os fatores do reajuste são imponderáveis”, sustentou. De acordo com o advogado, até seria possível cogitar-se dessa delegação de atribuir a fixação do valor ao Executivo desde que tivesse sido adotada a espécie normativa adequada para isso, que é a lei delegada.
Para o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, a lei não pretende, absolutamente, delegar ao Executivo a fixação de salário mínimo, mas tão somente determinar à presidente que, mediante ato administrativo, declare, dê publicidade ao valor já fixado segundo os critérios estabelecidos em lei. “Na verdade, o que estamos aqui a debater é a preservação de forma transparente, orientativa, clara que de fato premie o princípio da publicidade de que a administração pública informe com clareza os parâmetros ao qual ela está submetida”, afirmou Adams.
Além da relatora, os ministros Luiz Fux, Dias Toffoli, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cezar Peluso entenderam que, de acordo com a lei, o Executivo apenas dará publicidade ao reajuste calculado a partir de índices estabelecidos em lei pelo próprio Congresso Nacional. Por isso, não há como se falar que o reajuste por decreto fere a reserva legal de o Legislativo fixar o valor.
Os ministros Ayres Britto e Marco Aurélio discordaram da maioria e ficaram vencidos. Para Britto, “o Congresso não pode apear do poder de tratar da matéria, como prevê o mandamento constitucional”. De acordo com Marco Aurélio, a lei causa um engessamento do Congresso em relação à matéria e transfere a outro poder o que a Constituição delegou como atribuição do Legislativo. “Não se pode afastar do cenário jurídico a possibilidade de considerarem outros fatores para ter-se a recomposição do salário mínimo, além da inflação e do crescimento do PIB”, defendeu o ministro.
Apesar de votar a favor da fixação do mínimo por decreto, o ministro Gilmar Mendes fez ressalvas, alertando para os riscos de o Congresso repassar suas atribuições para outros poderes da República. O presidente do Supremo, Cezar Peluso, também fez considerações a respeito. Para ele, os partidos que contestaram a lei “sofrem de uma contrariedade robusta”. Isso porque atacaram na ação apenas o artigo 3º da Lei 12.382/11.
Segundo o presidente do Supremo, inconstitucional é o parágrafo 2º do artigo 2º da norma, que dá à presidente o poder de estabelecer o índice do reajuste na falta do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), fixado como parâmetro na lei. Peluso, então, colocou em votação a possibilidade de o Supremo analisar este dispositivo da lei, ultrapassando o pedido feito pelos partidos.
Mas a maioria dos ministros discordou. Segundo a relatora, Cármen Lúcia, para isso seria necessário adiar a análise do pedido e abrir vista para a AGU e para a Procuradoria-Geral da República, já que as duas instituições deram pareceres especificamente sobre o artigo 3º da lei.
Para Peluso, Marco Aurélio e Britto, contudo, o tribunal poderia sim analisar a constitucionalidade do parágrafo 2º do artigo 2º. De acordo com Britto, “o artigo 3º faz remissão ao 2º. Se um fosse declarado inconstitucional, levaria o outro por arrastamento”. Para Marco Aurélio, o tribunal não tem que se delimitar ao pronunciamento da AGU e da PGR. “Se analisamos a questão maior, não precisamos nos furtar a julgar a menor”, defendeu. Os três ficaram vencidos.
Rodrigo Haidar é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.