Ferida a rosa, fica a roseira

Por José Seráfico

 

O golpe de que resultou a queda de Dilma Rousseff está em pleno e acelerado curso. Enquanto não produzir todos os efeitos perseguidos pelos golpistas, não cessará. Para isso conta com um Congresso preocupado em enriquecer seus próprios membros; juízes dedicados à defesa dos privilégios conquistados em campo minado pelos que dependem de sentenças; negócios feitos a pretexto de produzir e disseminar notícias; e a maioria da população, anestesiada na luta constante pela sobrevivência. Nada mais.

Enquanto for esse o quadro, dificilmente será desviado o caminho do retrocesso, ameaçando tornar-nos contemporâneos da terceira metade do século XIX.

O trabalho escravo, que pensávamos ter erradicado mesmo sendo o último país a fazê-lo no continente, faz parte do cotidiano de grandes parcelas da população rural. O conluio entre empresários e políticos, que seria desfeito por obra de graça da redemocratização que custou tantas vidas, permanece incólume. Assim, vamos nos encaminhando para o que de mais autoritário se poderá experimentar: uma nação sem vontade própria, sujeita a determinações elaboradas no exterior, ao sabor dos interesses dos que se acostumaram a explorar os mais fracos, e enfraquecidos pela cumplicidade que se estabelece no mais alto escalão da República, imiscuindo-se por todo o tecido social.

É exemplar, nesta trajetória golpista, o que aconteceu dia 29 de novembro, em instalações da Universidade Federal do Pará. Quando o seminário As veias abertas da Volta Grande do Xingu preparava-se para conhecer e debater resultados de pesquisas realizadas pela academia naquela região paraense, repetiu-se o que assistíramos na noite de 30 de março de 1964, no auditório da Faculdade de Odontologia. Naquele momento, baderneiros ostentavam lenços brancos no pescoço, para não serem confundidos por seus companheiros de invasão com as pessoas que deveriam ser agredidas.

Desta vez, não havia lenços brancos, nem militares participavam ou davam cobertura à baderna. Nem seria preciso, tamanho é o poder dos agressores de hoje, muito bem instalados e representados nos gabinetes mais influentes da República. Os revólveres de ontem são substituídos pelas canetas, de poder letal mais efetivo. Pelo menos, as armas de fogo têm seu uso reservado às ações contra os camponeses e os que, no campo, lhes emprestam a solidariedade recomendada pelas várias confissões de fé.

A reitoria da Universidade do Pará já se manifestou, denunciando o ato praticado pelo prefeito do Município de Senador José Porfírio e cerca de quarenta asseclas. Diz a nota da Reitoria que os jagunços desejavam impedir a apreciação das questões ambientais que envolvem projetos do interesse dos grandes capitais, na região. Jagunços, já se sabe, há muito deixaram o campo, para atuar nas cidades, algumas vezes instalados em confortáveis gabinetes de onde promanam decisões da maior importância para a população.

Nem chega a ser surpreendente que o alvo mais uma vez foi o ambiente universitário. É dele que podem vir as ideias mais lúcidas e as denúncias mais contundentes, ainda que nele ainda possam ser encontrados os defensores de um tipo de democracia que só se sustenta quando o debate é evitado, a discussão é malvista, a divergência perseguida.

Dia 15 de dezembro próximo foi escolhido o momento de declarar a resistência e a luta pela Universidade Brasileira. O que significa dizer a luta pela alteração profunda dos rumos que um governo golpista quer impor à sociedade, contrariando a manifesta hostilidade que os brasileiros têm mostrado aos que se apoderaram dos postos de mando.

Os invasores do auditório do Centro de Estudos Sociais Aplicados da Universidade Federal do Pará podem ter arrancado uma rosa, mas jamais conseguirão deitar por terra a roseira. Resistir, mais que necessidade, é a alternativa que resta àqueles destituídos do egoísmo que obnubila o pensamento e faz a honra mergulhar na lama.