O impasse entre o Executivo e o Judiciário continua sem perspectivas de solução. O Judiciário quer mais recursos para enfrentar dívidas acumuladas ao longo dos anos que montam hoje 400 milhões de reais. Para isso pleiteia o aumento repasse do duodécimo, através de elevação de seu percentual. Já o Executivo diz que só aumenta o repasse, se aumentar a arrecadação. Fora disso, nem pensar, diz o meu amigo Isper Abrahim, Secretário de Fazenda.
Diante do impasse, o Tribunal de Justiça decidiu fechar 36 comarcas no interior do Estado. E diz que só volta atrás, se o Executivo elevar os repasses. Fora disso, as comarcas ficarão sem funcionar. Óbvio que isso faz com que os prefeitos, os advogados, a imprensa, os políticos pleiteiem que o Judiciário reveja a sua posição.
É claro que não podemos perder de vista a racionalidade. Existem comarcas no interior com número pequeno de processos, enquanto algumas varas na capital acumulam milhares de processos, mas a presença do Juiz no interior significa algo bem maior do que apenas aquele servidor público que decide conflitos levados pelas partes à sua consideração. Ele significa a presença do Estado, aí visto no sentido maior da sociedade organizada, da Nação brasileira. Retirá-lo do Município, fechando a comarca, é aumentar o fosso que hoje já existe e é profundo entre o cidadão e o Estado.
Por isso, entendo ser responsabilidade de todos nós buscarmos uma solução. A meu ver, e digo isto há algum tempo, o problema não está em aumentar ou manter o percentual do repasse, mas na base sobre a qual é aplicado esse percentual.
Quando Montesquieu criou a “Teoria da Tripartição dos Poderes do Estado” objetivou distribuir a autoridade para evitar o arbítrio e a violência. Partiu do pressuposto de que “só o poder freia o poder”. Foi o chamado “Sistema de Freios e Contrapesos” com os três poderes independentes e harmônicos entre si. Ao Legislativo cabe legislar, mas o Executivo tem poder de veto. O Executivo tem poder de tomar a iniciativa de leis, mas precisa aprová-las no Legislativo. Cabe ao Judiciário dirimir os conflitos, inclusive naqueles em que são parte o Legislativo e o Executivo.
No Amazonas, o “Sistema de Freios e Contrapesos” foi para o espaço há décadas. Aqui o Executivo reina soberano há muito tempo. Houve até quem considerasse certo governador como “Imperador”. Isso é público e notório e o pior é que não causa qualquer indignação. É lamentável, mas é verdade. Pela primeira vez nos últimos trinta anos, e isso é louvável, o Tribunal de Justiça ergueu a sua voz e disse, em outras palavras: “Executivo, me respeita, eu sou Poder igual a ti” e tomou a atitude de desativar as comarcas, exatamente para forçar o diálogo em igualdade de condições.
Agora, que o impasse está criado é preciso resolvê-lo. Para isso, a meu ver, é buscar eliminar a causa e não o efeito do problema. O efeito é o fechamento das comarcas, mas a causa é a manipulação da base de cálculo do repasse feita pelo Executivo que causou essa crise no Judiciário. Manipulação essa, aliás, que causa sérios problemas aos Municípios, também. Tudo começa com a legislação sobre incentivos fiscais de ICMS, hoje consolidada na Lei nº 2826/2003, na qual ao conceder estímulos a empresas o Executivo abre mão de recolher um valor maior a título de ICMS desde que as empresas recolham um valor menor, mas a título de três fundos: Fundo de Desenvolvimento do Interior, Fundo da UEA e Fundo da Microempresa.
Pode parecer ao leigo que isso tanto faz, quanto tanto fez, mas isso é uma esperteza pela qual o Executivo passa a perna, ao mesmo tempo, em Municípios e os demais poderes. É assim: se o valor for recolhido a título de ICMS, o Executivo tem que entregar aos Municípios, 25%; ao Judiciário, 7%; ao Legislativo, ao MP e ao TCE outros percentuais. No entanto, se for recolhido aos fundos, não tem que dividir com ninguém e usa o dinheiro como quer.
Acresça-se a isso a absoluta falta de transparência de como são usados os recursos dos fundos que são significativos.
Alguém sabe dizer onde foram aplicados os recursos do FDI – Fundo de Desenvolvimento do Interior nos último cinco anos? Ou os do FMPE? Os recursos da UEA foram integralmente para a UEA?
São perguntas sem respostas.
Nos últimos cinco anos esses Fundos arrecadaram, segundo a SEFAZ-AM, a “pequena” quantia de DOIS BILHÕES, SEISCENTOS E NOVENTA E UM MILHÕES DE REAIS, conforme tabela abaixo:
Com essa manipulação o Judiciário recebeu a menor nos últimos cinco anos 7% desse valor, ou seja 7% de R$ 2.691.954.812,00, que é igual a R$ 188.370.000,00.
A meu ver, e falo isso enquanto cidadão, acabar com essa manipulação é o caminho para a solução do impasse, ao mesmo tempo em que é a oportunidade de ouro para que o povo saiba exatamente a destinação que foi dada a tanto dinheiro pelo Executivo, através dessa manipulação.
Ao que dizem, só para dar um exemplo, dois amigos do peito do Poder Executivo em passado não muito remoto foram agraciados com 25 milhões de reais um e 35 milhões de reais outro. A perder de vista e juros bem pequenininhos. E enquanto isso se fecha comarcas no interior.
É por isso que o Executivo é forte e “tratora” os Municípios e demais poderes colocando-os na condição de pedintes. E eles são entes federados e poderes, e como tal deveriam ser respeitados.
É a chance de virarmos essa página da nossa história e cortarmos o mal pela raiz. Ganharão os Municípios, os Poderes Judiciário e Legislativo, o MP e o TCE, a democracia, o equilíbrio entre os poderes, o sistema de freios e contrapesos e perderão os “amigos” do poder.
Do Poder Executivo, bem entendido.