O escândalo das escutas ilegais do jornal britânico News of the World, cuja última edição circulou domingo passado, estarreceu apenas aqueles que não conhecem o funcionamento da imprensa, assim como quem jamais ouviu falar nos métodos nada ortodoxos do magnata da mídia Rupert Murdoch.
E é ingenuidade acreditar que isso só acontece bem longe do Brasil, em terras que, supostamente, gozam da absoluta liberdade de expressão, de imprensa e de opinião, como a Inglaterra. Da mesma forma como é infantilidade pensar que somente códigos de ética dos jornalistas serão capazes de regular os limites de atuação dos veículos de comunicação.
“O negócio do News of the World é chamar os outros à responsabilidade. Mas o jornal não foi capaz de agir assim com relação a si mesmo”, admitiu James Murdoch, vice-diretor de operações da News Corporation.
As categorias profissionais, sem exceção, são corporativistas. Não olham para si próprias e têm imensa dificuldade em tratar os iguais como. É nesse vácuo que o Estado tem que estar presente, não impondo barreiras ao funcionamento dos veículos de comunicação, mas limites de atuação.
O episódio do News of the World, que fechou suas centenárias portas por vergonha da sua atuação e para proteger a ex-editora-responsável, Rebekah Brooks, mostra a dimensão do estrago causado pela falta de ética, de respeito, de desprezo pela privacidade, de abuso da liberdade.
O lado didático dessa crise é que os críticos da regulação da mídia têm a chance de fazer uma reflexão sobrea demonização que impuseram ao assunto, resultado da precipitação e da falta de profundidade nas discussões. Confundiram conceitos deliberadamente, sobretudo misturando-os aos da censura.
Já tinha mostrado o quanto é maléfica a exacerbação partidária da mídia em um post no meu blog, em 11de julho, quando expus a campanha desfechada contra a presidenta, Dilma Rousseff. Nem mesmo pesquisas de opinião, sejam regionais ou nacionais, ficam a salvo da manipulação. Alguns barões da imprensa acreditam que podem empurrar goela abaixo da opinião pública uma aritmética cujo resultado somente eles sabem qual é.
Daí a razão de ser necessária uma força contrária à atuação dessas elites, acostumadas a impor princípios, aditar padrões, a fazer regras. E essa força contrária somente um governo forte e respaldado pelo povo, como foi o de Lula e agora é o de Dilma, tem a possibilidade de executar.
O desaparecimento do News of the World foi lamentado apenas por quem o fazia. Experimentem passar para o outro lado da cerca e ficar na posição das suas vítimas. Vão ver que o tablóide não deixará viúvas, como atesta boa parte do noticiário que se seguiu ao fim da publicação, que saúda seu desaparecimento.
Para corroborar tudo aquilo que disse, agora mesmo o Sunday Times está sendo acusado de bisbilhotar, com escutas telefônicas ou até mesmo com detetives, o ex-premiê britânico Gordon Brown. Sinal de que era procedimento padrão na News International, que edita o jornal dos Murdoch no Reino Unido.
Temos a oportunidade de aprender com esse mal-estar no jornalismo britânico, modificando comportamentos e criando legislações específicas em solo brasileiro. Precisamos levar adiante e a sério as propostas de regulamentação da mídia, sob pena de arriscarmos os direitos do cidadão e as liberdades individuais. Num Estado Democrático de Direito, não há poder absoluto, nem deve haver.
Para além da valorização da produção regional e do combate à concentração de mercado, regulamentar o funcionamento da mídia é garantir que o setor atue com responsabilidade. Como se vê no atual caso no Reino Unido, essa é a única maneira de avançarmos com liberdade e respeito aos cidadãos.
José Dirceu, 65, é advogado, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT