Em jogo, o exercício da democracia

Por Joaquim Falcão

Imaginem uma escola onde professores não comparecem a aula. É escola sem razão de ser. Imaginem outra onde nunca sabem quando a aula começa e termina. Os alunos vivem tensos e inseguros.

Imaginem agora um tribunal onde nunca se sabe quando o despacho vai ser dado e a sentença produzida. Este tribunal, em vez de gerar segurança resolvendo conflitos, pacificando-os, prolonga-os entre as partes. Seu desempenho é imprevisível. Gera insegurança jurídica por causa administrativa.

O tribunal de justiça de São Paulo tem um estoque de cerca de 600.000 processos para decidir. Destes quase 50.000 estão parados há mais de cinco anos. Este foi um dos graves problemas que a atual presidência do Tribunal, do Desembargador José Roberto Bedran, herdou das administrações passadas.

Enquanto no Rio de Janeiro, em 2010, um desembargador cível decidiu em cerca de 80 dias, em São Paulo leva anos. A presidência, com base em resolução, redistribuiu processos parados desde 2006 com um desembargador, para outros. Concedeu 120 dias para colocar em dia. Se não cumprir pelo menos 70% da meta haveria penalidades. É uma nova atitude. Aqui começa a discussão.

Uma associação de desembargadores, Andes, foi ao Supremo dizer que a resolução era inconstitucional. Alega que os desembargadores foram pegos de surpresa e seriam punidos por fatos passados, o que seria inconstitucional.

É surpreendente, diz uma professora de Direito, que se alegue surpresa quando uma autoridade legítima exige que o desembargador cumpra a lei e decida em prazo razoável. A punição não se aplica sobre o tempo que o processo passou parado. Mas sobre o não cumprimento do novo prazo de 120 dias.

Mas o que está em jogo nesta reação dos desembargadores? Simples. De um lado o dever da presidência de gerir com eficiência e dentro das normas do CNJ seu tribunal, aliado ao direito dos cidadãos de acesso à justiça e a decisões em tempo razoável. De outro, os direitos administrativos agora alegados pelos desembargadores. Qual deles deve prevalecer?

O presidente e dirigentes dos tribunais são responsáveis por sua administração. Se eles não o forem, quem o será? Retirar de juízes cerca de 50 mil processos há cinco anos parados sem justificativa e os redistribuir para outros para acelerar julgamentos, estaria fora de suas responsabilidades?

O que está em jogo sobretudo é o exercício da democracia. Na democracia, o resultado da sentença pode até ser provável, mas será sempre incerto. Não se conhece de antemão a decisão do juiz. Mas as partes têm que saber quando a sentença vai ser proferida. Será ofender direito de desembargadores exigir que ele decida em prazos previsíveis?

Joaquim Falcão escreve quinzenalmente para este Blog