Por Everardo Maciel, O Estado de S.Paulo
É medíocre e ingênuo refugar soluções tributárias bem-sucedidas apenas porque são ‘made in Brazil’
O jornalista Márcio Moreira Alves, morto em 2009, afirmou que “tudo aquilo que só existe no Brasil e não é jabuticaba é bobagem”, atribuindo a frase a um personagem de sua crônica. Fui dos que deram publicidade a esse gracioso chiste, ainda que se saiba, em homenagem à precisão, que aquela singular fruta, muito comum em algumas regiões brasileiras, também existe em outros países da América do Sul.
Desde então, as jabuticabas passaram a ser detratadas, em virtude do nosso arraigado sentimento de inferioridade, qualificado como “complexo de vira-latas” por Nelson Rodrigues, em 1958, e cuidadosamente revisitado por Eduardo Giannetti (O elogio do vira-lata).
Esse sentimento de subalternidade se presta bem às mais diversas práticas colonizadoras, inclusive por meio de teorias adrede construídas. Para os que se presumem colonizadores, somos natives, mestiços pouco educados, incapazes de produzir teses universais e
No âmbito tributário, é absolutamente incogitável reconhecer algum êxito brasileiro. A Receita Federal, que neste mês completa 50 anos, resultou da fusão entre as administrações aduaneira e de tributos internos. Esse modelo, contudo, só depois de algumas décadas veio a ser adotado por outros países, inclusive europeus.
Fomos igualmente pioneiros na cobrança de tributos pela rede bancária e na utilização da informática pela administração tributária. Na década de 1990, passamos a ser o primeiro país do mundo a fazer uso intensivo da internet na administração tributária e criamos regimes aduaneiros bem sofisticados, como a “aduana virtual” (Regime Aduaneiro Especial de Entreposto Industrial sob Controle Aduaneiro Informatizado – Recof).
A despeito da profusão de teses supersticiosas, a experiência brasileira de tributação sobre a movimentação financeira foi exitosa. Nenhum desastre aconteceu, como fora anunciado pelos catastrofistas. Ao contrário, essa forma de tributação se revelou eficiente e de baixo custo para o Fisco e para o contribuinte, além de ser ferramenta auxiliar da fiscalização.
Nos fóruns internacionais há um grande debate sobre a dedutibilidade dos juros, por estimular o endividamento das empresas. Alguns defendem sua limitação; outros, torná-los indedutíveis.
O Brasil, na reforma do IRPJ em 1995, adotou a regra dos juros remuneratórios do capital próprio, que consegue mitigar os efeitos da dedutibilidade dos juros de empréstimos, sem reduzir a capacidade de investimento das empresas. Alguns países chegaram, em algum momento, a adotar modelos semelhantes.
Inexiste, contudo, a menor disposição para examinar a solução brasileira. Afinal, ela não foi produzida pela OCDE nem consta dos manuais das organizações internacionais. Vetustos preconceitos explicam essa resistência.
É o que ocorre também com a isenção na distribuição dos resultados, como parte integrante do ciclo impositivo da tributação dos sócios de empresas.
A tributação exclusiva no lucro da pessoa jurídica é mais simples, menos vulnerável à evasão e elisão fiscais, mais flexível em relação à alocação de investimentos e neutra em relação aos regimes simplificados de tributação. Jamais será, entretanto, paradigma internacional, porque, de rigor, é made in Brazil.
A tributação na fonte nos fluxos internacionais, aqui adotada há décadas, é, por ora, a única forma eficaz de enfrentar os paraísos fiscais, pioneiramente conceituados no Brasil, e superar o imbróglio dos estabelecimentos permanentes no contexto da economia digital.
Os países industrializados, com apoio da OCDE, preferem, todavia, a tributação na residência, malgrado com construções sibilinas, justamente porque lá estão domiciliados os grandes prestadores de serviços.
É irracional não acolher experiências bem-sucedidas de outros países, tanto quanto é medíocre e ingênuo refugar soluções apenas porque são, na versão difamatória, “jabuticabas”.
CONSULTOR TRIBUTÁRIO, FOI SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL (1995-2002)