Um dado curioso na pesquisa do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) sobre a qualidade dos serviços prestados pelo SUS (Sistema Único de Saúde) nos oferece a oportunidade de observar com mais clareza os desafios que temos de enfrentar para melhorar a Saúde no país: quem não usa a rede pública é mais crítico ao desempenho do SUS do que quem é atendido.
Numericamente, o SUS tem uma aprovação de 30,4% entre aqueles que utilizaram o sistema público pelo menos uma vez nos últimos 12 meses, enquanto apenas 19,2% daqueles que não usaram o serviço no mesmo período o consideraram bom. Mantendo o mesmo período de comparação, 27,6% dos usuários da rede pública avaliaram o SUS como ruim, índice que salta para 34,3% entre os que usam apenas a rede privada.
Isso significa que todas as críticas feitas à saúde pública são mero preconceito? Não. Em qualquer demografia, a avaliação mais frequente foi “regular” —resultado que não pode ser considerado satisfatório por nenhuma das esferas de governo.
Porém, cruzando as avaliações de atendimentos específicos, e também as de avaliação da rede privada, percebemos que há, sim, um forte componente subjetivo entre as numerosas críticas feitas periodicamente ao SUS: o senso comum de que o serviço público não tem qualidade.
As principais reclamações de quem utiliza os planos de saúde privados, por exemplo, são os preços das mensalidades e o fato de que alguns procedimentos não estão incluídos nos planos, ou não são reembolsados pelos planos quando foi necessário fazê-los. O SUS, por outro lado, tem em seus principais elogios o acesso a todos os tratamentos e o atendimento feito de forma igualitária, sem distinções.
Ou seja, o SUS tem suas maiores qualidades exatamente onde estão os pontos fracos inerentes à cobertura oferecida pelos planos de saúde: a universalidade e a gratuidade. No aspecto prático, os problemas são muito parecidos, tanto na rede pública, quanto na particular. Enquanto os entrevistados apontaram que a primeira sofre mais com a falta de médicos, ambas têm problemas de demora para marcar consultas.
Por que, então, algumas pessoas preferem pagar o plano de saúde a utilizar a rede pública? A qualidade dos serviços, alvo dos bombardeios de críticas periodicamente dirigidas ao SUS, é bem avaliada em ambos os casos, mesmo reconhecendo as diferenças que existem entre hospitais administrados por diferentes esferas de governo, em modelos diversos.
O governo federal já demonstrou que está disposto a trabalhar para reduzir o problema das filas das consultas. A instalação de 500 UPAs (Unidades de Pronto-Atendimento) pelo país é o início de um trabalho para resolver casos de pequena ou média complexidade em unidades antes do encaminhamento ao hospital, permitindo desafogar o setor de emergência e acelerar o atendimento de urgência. É essencial ainda que sigam os esforços de contratação e qualificação dos profissionais e a ampliação dos tipos de remédios distribuídos gratuitamente, demanda dos usuários.
Mas existe também a necessidade de desmistificar a sensação que resiste em parte da população, de que o que é público, por conceito, não tem qualidade. Ao longo dos últimos anos, isso vem sendo feito na reestruturação das carreiras estatais, na valorização do funcionalismo e na demonstração, com exemplos, de que o serviço público pode ser bom —o que, aliás, é um dever do Estado.
Os problemas da gestão do SUS e de seu financiamento não estão resolvidos, pois é preciso também aprovar a emenda 29 e intensificar esse processo de desmistificação dos serviços públicos e estendê-lo ao SUS, como algo complementar aos esforços de estruturação em definitivo de um sistema de saúde de qualidade. Afinal, defender o SUS é, na verdade, defender a melhor opção para a Saúde no Brasil.
José Dirceu, 64, é advogado, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT