Por Demóstenes Torres
O desfecho provisório da crise política no Egito me trouxe à memória o atentado terrorista ocorrido em 6 de outubro de 1981 que fulminou o então presidente do país, Anuar Sadat, e abriu espaço para que o agora defenestrado Hosni Mubarak inaugurasse um califado de 30 anos.
Àquela época a esquerda brasileira era só contradição: vivia a expectativa da abertura política por aqui e amava apaixonadamente as ditaduras africanas e do Oriente Médio alinhadas à ex-União Soviética.
Tenho acompanhado com atenção os acontecimentos no mundo árabe desde os protestos na Tunísia e me impressiona o quanto são voláteis e muitas vezes equivocadas as previsões dos analistas sobre o ambiente político na região.
Quando foi deflagrada a crise tunisiana, o que mais se lia nas agências de notícias eram comentários de especialistas que o Egito estava a salvo da onda de protestos, pois o governo, dono do mais poderoso exército dos países árabes, era fator de estabilização das políticas norte-americanas no Oriente Médio e Mubarak seria o garante supremo de tal intento. A derrocada foi só questão limitada de tempo.
Há inúmeras dúvidas sobre o modelo de democracia que será implantado no Egito e o grande desafio será a realização de eleições limpas, coisa que eles desconhecem.
O que estará em jogo também são as reais intenções libertárias do governo de Barack Obama. Durante a crise política, o presidente americano se limitou a declarar platitudes e se mostrou sempre atrasado aos acontecimentos.
Vale lembrar a influência americana sobre o exército egípcio, que recebe por ano alguma coisa próxima de US$ 1,3 bilhão para gastar com equipamento bélico.
Houve também comentários abalizados de que a Argélia não correria qualquer risco de ser contaminada pela “onda revolucionária” por se tratar de um regime sólido. Pois o povo argelino começa tomar as ruas do país e já há sinais visíveis de fissuras insanáveis no sistema. Tanto é verdade que na segunda-feira o chanceler Mourad Meldeci, anunciou que em questão de dias será levantado estado de emergência que vigora no país há 19 anos e que permite o governo prender e arrebentar para lembrar frase muito popular no Brasil de 1981 sob a presidência de João Baptista Figueiredo.
O que se assiste em toda região são monarquias absolutistas e repúblicas autocráticas que sempre oprimiram seus administrados por meio de expedientes marciais agora completamente amedrontadas pela movimentação popular.
Cada um faz o que pode. A Jordânia, mesmo tendo um monarca altamente festejado e adepto à moderação, sentiu que o clima não está bom e desde a semana passada tem um novo primeiro-ministro.
No Iemen, o mais pobre e atrasado país da Península Arábica, o presidente Ali Abudallah Saleh, no poder há 21 anos, já declarou que não permanecerá na cadeira depois de encerrado o atual mandato.
No Barein, ante o anúncio de protestos da população, o xeque Hamad Bin Salman Al-Khafila, decidiu comprar literalmente a revolução e prometeu dar a cada família do país US$ 2,65 mil.
A fila de ditadores com a agenda de poder comprometida na região é enorme e deve andar na Líbia e na Síria principalmente, não sendo descartado o Irã, que já começa a reprimir manifestações nas grandes cidades. São regimes que conjugam autoritarismo político, com elevadíssimos índices de corrupção e manipulação religiosa.
Ao contrário do que se supõe, a onda de protestos por democracia em vez de fragilizar a estabilidade na região atropela a tendência que se verificava de transformação do Oriente Médio e do norte da África em Estados islâmicos totalitários e consequentemente apoiadores do terrorismo. Ou seja, acabam por gerar benefícios globais.
A diplomacia brasileira não tem muito o que fazer a não a ser acompanhar os acontecimentos no Oriente Médio, até para não repetir as patacoadas da Era Lula.
As relações do Brasil com o mundo árabe podem ter guinada positiva à medida que se abandone o suporte incondicional a ditaduras sob o pretexto de apoiar a causa palestina, que é justa, e se faça diplomacia mais pragmática.
O Brasil deve também aproveitar a onda por liberdade para se distanciar de quem faz o caminho reverso da democracia na América do Sul. Temos de sair da companhia dos maus elementos da zona bolivariana.
Sinceramente guardo alguma esperança que a presidente Dilma irá entender que referendar esses catiretes é contraproducente à projeção que o Brasil almeja nos foros internacionais.
Demóstenes Torres é procurador de Justiça e senador (DEM-GO)