Por Rodrigo Haidar para o CONSULTOR JURÍDICO:
A presidente da República, Dilma Rousseff, escolheu o ministro Luiz Fux, do Superior Tribunal de Justiça, para ocupar a 11ª vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal. Com sua primeira indicação para a Corte, a presidente preenche a cadeira que está vazia há seis meses, desde a aposentadoria de Eros Grau, em agosto do ano passado.
Para sentar-se à bancada do Supremo, Fux terá de ser aprovado pelo Senado depois de passar por sabatina, cuja data ainda será marcada. Mas não deve ter problemas para superar essa etapa.
O carioca Luiz Fux, 57 anos, é juiz de carreira. Exerceu advocacia por dois anos e foi promotor por outros três. Em 1983, passou em primeiro lugar em concurso público para a magistratura. Em 1997, foi promovido para desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e, quatro anos depois, nomeado ministro do STJ pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.
Fux chega ao STF depois de presidir a Comissão de Reforma do Código de Processo Civil do Senado. Deste posto, aproveitou para incorporar ao texto do projeto que hoje tramita no Congresso diversas práticas corriqueiras que o STJ adota hoje com base em sua jurisprudência. Um exemplo: se há falhas processuais que impeçam a admissibilidade de um recurso cuja matéria tem relevância social, permite-se a flexibilização das regras para admitir o recurso e julgar o mérito da causa.
Mas há outros exemplos: se a parte desiste do processo selecionado para julgamento pelo rito da lei que rege os recursos repetitivos, a decisão não fica prejudicada. “A regra expressa determina que havendo a desistência do recurso especial, é julgada a tese jurídica”, afirmou o ministro em recente entrevista à revista Consultor Jurídico, feita para o seu perfil no Anuário da Justiça, que será lançado em março (leia abaixo trechos da conversa).
O entendimento do ministro, e da Corte Especial do STJ, é o de que, como o recurso representativo de controvérsia jurídica perde o caráter individual — bom lembrar que quando um ministro afeta a tese para julgamento, milhares de processos idênticos são suspensos nos tribunais de segunda instância — a desistência da parte não impede que o tribunal julgue e fixe a tese que será aplicada a todos os casos idênticos.
No STJ, Fux foi responsável por selecionar 178 recursos para julgamento pelo rito processual especial desde a sanção da lei. Deles, 121 foram julgados e definiram o destino de milhares de ações. Em 2010, julgou mais de 11 mil processos.
O ministro tem destacada atuação na área de Direitos Humanos e advoga a tese de que o Judiciário deve, sim, atuar para fazer com que o Executivo dê eficácia aos princípios constitucionais. Para Fux, a Justiça tem de garantir ao cidadão aquilo que o governo lhe sonega. “Hoje há países, às vezes até menos favorecidos que o Brasil, onde a Justiça determinou que fossem erguidas habitações para pessoas desvalidas, que não tinham um teto”, informa o ministro.
Leia trechos da entrevista:
ConJur — O Judiciário pode determinar que o Executivo implemente políticas públicas, mesmo diante do princípio da reserva do possível?
Luiz Fux — Sim. Se a política pública está estabelecida como norma programática, fica ao alvedrio do Poder Executivo. Mas há determinadas políticas públicas que são estabelecidas na Constituição com normatividade suficiente. Por exemplo, o direito à saúde. A saúde é dever do Estado e direito de todos. Há sujeito ativo, sujeito passivo e o objeto da prestação. Nestes casos, o Judiciário não age como legislador positivo, mas faz cumprir a Constituição.
ConJur — Muitas vezes, prefeitos e governadores contestam as decisões judiciais com base no princípio da reserva do possível. Ou seja, dizem não ter dinheiro para cumprir a determinação. Basta alegar que não há dinheiro ou tem de demonstrar a falta de recursos?
Luiz Fux — É importante avaliar as condições financeiras do município, o orçamento. Sempre existe uma parte do orçamento para saúde, segurança e educação. Se a Constituição, como ideário da Nação, promete isso, é preciso colocar esses custos no orçamento. Se é uma promessa constitucional, o orçamento tem de se adequar, o município ou o estado tem de se organizar de acordo com essa promessa. Há países onde a Justiça já determinou a edificação de residências para cidadãos desvalidos. A Constituição de 1988 não tem nenhum dispositivo que aluda à reserva do possível.
ConJur — A relativização da coisa julgada pode ser decidida nos atos processuais da fase de execução da sentença transitada?
Luiz Fux — A tese da relativização da coisa julgada é absurda se aplicada no sentido da definição de direitos. O Judiciário não pode definir certos direitos hoje e, amanhã, redefini-los. A coisa julgada não tem compromisso nem com a Justiça, nem com a verdade. Seu compromisso é com a pacificação, estabilidade e segurança sociais, em um dado momento em que tem é preciso ter a palavra definitiva. Relativizar a coisa julgada cria um clima de insegurança enorme. É uma tese sem fundamento científico. Mas é necessário ressaltar que alterações aritméticas nunca estiveram encartadas no conceito de coisa julgada, que incide sobre o conteúdo declaratório da sentença. Se há um erro de cálculo que leva uma indenização a um valor absurdo, é preciso corrigi-lo e isso não é relativizar a coisa julgada. É corrigir um equívoco.
ConJur — Aplica-se o princípio da responsabilidade objetiva para o crime de improbidade administrativa?
Luiz Fux — Não. A improbidade administrativa foi criada para o administrador desonesto, razão pela qual não pode ser aplicada indiscriminadamente. O tipo pode até objetivamente estar configurado, mas é preciso verificar subjetivamente se houve intenção de lesar ou lesão ao erário. Não é possível fazer uma interpretação literal da lei, que não conduza a um resultado justo. Já decidi alguns casos de ações por improbidade absurdas. Por exemplo, uma ação contra um município que cedeu sua reserva de medicamentos remédios para atender crianças de outro município, tomado por um surto de virose.
ConJur — Se os débitos fiscais são atualizados, os créditos de tributos não cumulativos como IPI e ICMS também deveriam ser?
Luiz Fux — Não necessariamente. A questão é legal, não ideológica. Sob o prisma de justiça tributária, deveria haver uma correlação. Mas o raciocínio sobre política fiscal é muito diverso daquele que se faz em relação às obrigações em geral. O governo tem gastos que precisam ser suportados pela coletividade. A ótica tem de ser diferente em relação aos tributos.