Por Osiris Silva:
Li no site Novos Caminhos: a memória é o principal mecanismo para garantir a construção da história de uma sociedade, razão pela qual de suma importância seja preservada. É por seu intermédio que o homem constrói sua identidade e estabelece os parâmetros que irão conduzir os caminhos futuros. Diz ainda o artigo: como componente humano, a memória é intuitiva e mesmo em sociedades primitivas foi considerada primordial para a sobrevivência da espécie. Em síntese, “a forma de o homem garantir que os acontecimentos passados sejam objeto de informação para a sociedade futura de forma coerente e verdadeira”. É a cultura, efetivamente, como maior patrimônio de um povo, que permite pensar no significado das relações entre os seres humanos e a natureza, conhecimentos e vivências de geração para geração, perpetuando trajetória histórica e ideológica.
Ativos intangíveis, de difícil mensuração monetária, reúnem, todavia, valores que constroem países, nações, uma sociedade. Todos os valores que envolvem compartilhamento de patrimônios comuns como a língua, a religião, as artes, o trabalho, os esportes, as festas, dentre outros, que formam a ideia de identidade cultural, salienta o site. Vital para uma sociedade, por conseguinte, que “haja uma revitalização de valores perante a nova geração, que os reconheça, cultue e preserve”. Nesse sentido, e levando em conta hercúleos esforços empreendidos com parcos recursos que instituições como o IGHA, Academia Amazonense de Letras (AAL), ALCEAR, bibliotecas, pinacotecas, museus, sociedades literárias e culturais, tanto quanto o INPA ou a universidade devem, por conseguinte, ser reconhecidas, respeitadas e incentivadas.
Faço essas considerações na oportunidade em que o Instituo Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA) completou, no dia 25 passado, um século, observando quão pálidas as ações da sociedade na direção da preservação de nossa memória. Dos valores culturais e históricos de nossos ancestrais desbravadores por parte da rede escolar, da própria universidade e centros de pesquisa. Casas parlamentares (Assembleia Legislativa e Câmaras de Vereadores municipais), ONGs, clubes e sociedades culturais diversas, que, muitas vezes sobrevivem à custa de subsídios públicos; tão pródigas, em alguns casos subalternamente em prestar homenagens a autoridades e figuras poderosas do mundo político e empresarial, na maioria das vezes apenas circunstancialmente, por puro interesse comercial, esquecem, todavia, de homenagear quem efetivamente construiu este Estado.
Nesse sentido, é deplorável, sob qualquer ângulo que se analise, a falta de respeito e de reverência a figuras emblemáticas de nossa história. Heróis anônimos como o seringueiro, o seringalista, o pescador, o índio, o madeireiro, o regatão, o sertanejo, desbravadores, cartógrafos, o juiz de paz ad hoc, o professor das escolinhas localizadas nos ermos. A nenhuma dessas figuras foi dedicada até hoje uma estátua, um busto, um memorial na capital amazonense. Vivendo em circunstâncias adversas, entregues ao nada e perdidos no tempo, deles, porém, concretamente, pouco se dão conta a despeito de haverem construído a região e, por séculos, sustentado nossa economia com bens vitais do extrativismo, da caça e da pesca oriundos da densa, impenetrável e hostil floresta.
Poder público, iniciativa privada, sociedade e entidades representativas devem, efetivamente, deferência a estes que, sem ar-condicionado, polpudas verbas de gabinete, cargos representativos, assessorias de marajás, verbas de auxílio moradia e cestas básicas equivalentes a cerca de dez vezes uma bolsa família ou floresta, anônima e solitariamente irrigaram nossa economia, mantiveram vivas as instituições e, sobretudo, defenderam, ampliaram e conservaram brasileiro o território amazônico. IGHA e AAL, ao lado da Secretaria da Cultura estadual, penso eu, têm plena consciência do que precisa ser feito para reparar tamanhas injustiças.
Manaus, 10 de abril de 2017.