Depois do Carnaval

Marina Silva

Chegamos, finalmente, a mais um feriadão de Carnaval, para depois, segundo dizem, tudo começar a acontecer no Brasil.

Geralmente, em nossa viciada cultura da procrastinação, do “deixa para depois”, aproveitamos as datas festivas e comemorativas como desculpa para continuarmos protelando tudo aquilo que nos incomoda, ou que é mais difícil de fazermos acontecer.

Esperamos passar a Semana Santa, o Natal, o Ano-Novo e as férias de verão até chegarmos na convincente constatação de que, em nosso país, as coisas só começam a acontecer depois do Carnaval.

O drama desse “avestruzamento” coletivo é que a realidade dos problemas que precisam ser enfrentados -e que, a cada ano, acabam sendo deixados para depois do Carnaval- não pode ser indefinidamente armazenada como se fosse uma fantasia de um desfile malsucedido, que nunca mais queremos ver repetir-se.

Esses problemas aparecem e reaparecem nos salões e nas avenidas do cotidiano de nossa realidade política e social na forma de muitas faltas -por exemplo, uma adequada reforma da segurança pública que dê dignidade e segurança não apenas para quem precisa da polícia mas também para quem faz a polícia.

Manifesta-se ainda no ensaio do terceiro round do Código Florestal na Câmara dos Deputados, onde já se anuncia uma espécie de “telecatch” entre o projeto aprovado no Senado e o projeto “fake” radical ruralista, com o intuito de aparentar divergências entre os ruralistas e a base governista.

São muitos os que esperam esse “para depois” passar para serem vistos e respeitados: os atingidos pelos desastres ambientais, os banidos do Pinheirinho (em São José dos Campos, cidade no interior do Estado de São Paulo), que reclamam em nós, e não de nós, uma solução para o vergonhoso êxodo a que são submetidos, as vidas assoladas compulsoriamente pelo crack a reclamarem do Estado mais ação preventiva do que repressão.

Todos precisamos de descanso, de refrigério, de tempo para encerrar ciclos. Mas o Estado, os governantes, as autoridades políticas que recebem da sociedade o nobre mandato de zelar por seu bem-estar, pelo desenvolvimento do país, não têm direito ao descanso do “deixa para depois”.

O país, em muitos aspectos, vive um momento excepcional de crescimento, de expansão. Entretanto nós não podemos nos enganar. Não queremos ser como um vagão puxado pelas locomotivas de outras nações.

O Brasil que ainda patina com graves problemas estruturais, que precisa melhorar tanto, por exemplo, na educação, não pode perder tempo.