DO CONJUR, Por Márcio Chaer, Lilian Matsuura e Sérgio Rodas
O economista Antonio Delfim Netto é uma personalidade complexa. Em um país polarizado, não dá para enquadrá-lo em nenhuma vertente ideológica. Ferrenho defensor do salário mínimo e do programa Bolsa Família, está longe de ser “coxinha”. Tampouco pode ser considerado “petralha”, já que é categório ao afirmar que a presidente afastada Dilma Rousseff é responsável por uma quantidade “monumental” de violações.
O fato de ter sido filiado à Arena e ministro responsável pela economia durante 13 dos 21 anos da ditadura militar, também é uma tentação para colocá-lo mais à direita do espectro político. Porém, foi um dos principais conselheiros do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva enquanto este estava no Palácio do Planalto.
No seu campo de especialização, classifica o mercado como o sistema mais eficiente de produção de riquezas. Isso não basta para rotulá-lo de ortodoxo, pois garante que ninguém descreveu tão bem o capitalismo e suas falhas quanto Karl Marx — o autor ocupa boa parte de sua biblioteca.
As aparentes contradições de Delfim Netto se estendem à sua opinião sobre a “lava jato”. O economista é acusado de ter recebido valores de propina para ajudar um consórcio a ganhar a licitação para a Usina Hidrelétrica de Belo Monte (PA). Apesar disso, é um admirador da operação que catapultou procuradores, policiais federais e o juiz Sergio Moro ao status de celebridade.
A seu ver, a “lava jato” está acabando com as relações promíscuas entre Estado e empresas, aprimorando as instituições e criando condições para o Brasil voltar a crescer. Quanto às acusações que pesam contra si, Delfim Netto diz que só obteve honorários por serviços de consultoria regularmente prestados.
E a “lava jato” não tem “nenhuma” culpa pela atual crise do país, avalia o ex-ministro. De acordo com ele, o atual cenário foi gerado pelos erros de Dilma na condução da economia. Entre eles, a diminuição “populista” do preço da energia elétrica, a redução forçada da taxa de juros e o controle do preço da gasolina.
Mas o erro decisivo, na visão de Delfim, veio quando a petista nomeou Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda, um mês após ser reeleita. Assim, ela adotou sem rodeios as medidas de austeridade defendidas pelos seus adversários Aécio Neves (PSDB) e Marina Silva (PSB), que tanto criticara durante a campanha eleitoral.
“Com isso, ela perdeu toda a credibilidade, e pior: naquele mesmo instante, ela perdeu dois terços dos que haviam lhe dado um voto de confiança, para os quais ela não prestou a menor satisfação por que tinha mudado. Então, é imediato”, opina o economista.
Para piorar, o PT lutou contra Eduardo Cunha (PMDB-RJ) pela presidência da Câmara dos Deputados, e perdeu feio. Com a economia, o Congresso Nacional e a sociedade contra, Dilma perdeu a capacidade de governar, e virou alvo de um processo de impeachment por condutas que, em condições normais, seriam punidas apenas com “um puxão de orelha do Tribunal de Contas da União”, argumenta Delfim Netto.
Com a recente morte do ex-ministro da Casa Civil Rondon Pacheco, Delfim virou o último sobrevivente da reunião que aprovou o Ato Institucional 5, que recrudesceu a censura, suspendeu o Habeas Corpus de acusados de crimes políticos e deu ao Executivo o poder de dissolver o Congresso.
Embora na ocasião tenha achado a norma “insuficiente” e defendido a possibilidade de o presidente fazer “certas mudanças constitucionais”, o ex-ministro elogia o modelo de sociedade estabelecido pela Constituição de 1988 — a qual ajudou a escrever como deputado. E mais: ele alega que o direito de defesa “deve ser o mais amplo possível”.
Na manhã de 1º de julho, o economista recebeu a revista Consultor Jurídico em seu escritório, um pequeno castelo de pedra na Zona Oeste de São Paulo. A sala dele é repleta de caricaturas que o retratam e de fotos com seu neto.
Por exatamente uma hora, ele analisou a situação do Brasil quase deitado na cadeira de sua mesa de trabalho, e gesticulando para enfatizar seus argumentos. Na conversa com a ConJur, Delfim Netto ainda elogiou as propostas econômicas do presidente interino Michel Temer (seu companheiro de PMDB), discutiu o papel do Judiciário e criticou o sistema tributário do país.
http://www.conjur.com.br/2016-jul-14/entrevista-antonio-delfim-netto-economista-ex-ministro-fazenda