De Waldick para Jair: renunciar seria a solução

De Waldick para Jair: renunciar seria a solução

Do: cantor Waldick Soriano, psicografado pelo Taquiprati

Ao: Exmo. Sr. Presidente da República Jair Messias Bolsonaro

Saudações,

Escrevo esta carta, mas não repare os senões, para dizer o que sinto em relação à sua visita a Dallas, Texas, aonde recebeu merecido prêmio da Câmara de Comércio Americana-Brasileira por haver prestado valiosos serviços ao capital comercial (bota valioso nisso). No entanto, não fiquei orgulhoso com sua performance nos EUA. Afinal, Jair – posso te chamar amigavelmente de Jair? – você representa o Brasil, queiramos ou não. A imagem de todos nós brasileiros, vivos e mortos, fica maculada, se seu presidente adota postura subserviente. Ninguém aprecia um capacho lambe-botas de gringo. É O Brasil acima de tudo ou América first?

Tudo bem, a gente puxa saco de quem admira, mas não precisava exagerar, especialmente depois de ser considerado persona non grata pela cidade de Nova York, com o chega-pra-lá do prefeito Bill de Blasio e de ter sido esnobado pelo prefeito de Dallas, Mike Rawlings, que se recusou a lhe dar as boas-vindas. Os motivos alegados, todos eles procedentes, são de que você agride a floresta, os LGBTs, as mulheres, os negros, os índios. Sei que museu não é sua praia, mas se tivesse visitado o Caddo Nation Heritage Museum ao norte de Dallas, você teria uma lição de respeito à diversidade.

O revide que você deu ao ser humilhado pelos dois prefeitos americanos foi atacar a nós, brasileiros, classificando de “idiotas úteis que não têm nada na cabeça e não sabem sequer a fórmula da água” a mais de um milhão de manifestantes que protestavam nesta quarta (15), em 221 cidades brasileiras, contra os cortes de verba na educação. Lá havia eleitores seus, agora arrependidos. Ofendê-los e desqualificá-los não é compatível com a função presidencial, ainda mais proferida dentro de território estrangeiro, para onde foi com despesas pagas por nós contribuintes. Você nos tratou como cães pirentos sem dono, sequer como o tratamento dado a seus cães em Angra dos Reis, quando pagou com dinheiro público uma cuidadora.

I’m not dog no

Sei do que falo. Fui lavrador, garimpeiro, motorista de ônibus, faxineiro, antes de gravar mais de 500 músicas em 84 discos, como registra o documentário “Waldick sempre no meu coração” dirigido magistralmente por Patrícia Pillar. Fiz a música “Eu não sou cachorro, não / pra viver tão humilhado”. Isso transparecia no grito dos manifestantes nas ruas das cidades brasileiras, uma bela resposta às suas ofensas. Ou, para você entender, I’m not dog no”, como cantou o Falcão, talkei?

Jair, o bloqueio de R$ 7,4 bilhões feitos pelo MEC inviabiliza ações que vão da educação infantil à pós-graduação. As universidades públicas viram cortados R$ 2 bilhões sob a alegação alucinada do ministro Abraham Weintraub de que não financiaria “centros de balbúrdia e de orgias sexuais”. Os manifestantes, que saíram às ruas para lutar contra o corte ideológico, estão defendendo legitimamente o Brasil contra o atraso, a barbárie e a burrice triunfante. Lutam por uma educação de qualidade. Acendem uma luz de esperança nos destinos do país.

Talvez seja ainda cedo para avaliar os resultados desse movimento para o qual – sejamos justos – você muito contribuiu, quando acendeu o fósforo sobre a gasolina derramada por seu ministro da Educação. Quem não sabe a fórmula para apagar o fogo é você, Jair. A UNE já convocou novo megaprotesto nacional para o próximo dia 30. Senti que agora você está com o pescoço francês na mão, Jair, atingido pelas manifestações que coincidem com a quebra do sigilo bancário e fiscal de seu filho e assessores. As investigações de seus familiares já alteraram ligeiramente o seu discurso fanfarrão. A palavra “impeachment” começa a ser ventilada.

Ah, antes que eu me esqueça, alguns membros de sua comitiva mencionaram nas redes sociais que estavam em Dallas, capital do Texas. O Bebeto, amigo da minha neta de oito anos, nos deslumbra nas reuniões familiares respondendo os nomes das capitais de qualquer país, inclusive Katmandu no Nepal. Ele esclarece que a capital do Texas é Austin e não Dallas. De leve. Bebeto conhece a fórmula da água.

Museu Caddo

Sua comitiva, Jair, além de ignorar tais detalhes, não sabe, não quer saber e odeia quem sabe da existência, em Binger, Oaklahoma, do Museu do Patrimônio da Nação Caddo, inaugurado em 2001. Os Caddo, que ocupavam extenso território no qual cultivavam muitas variedades de milho, moravam em casas de grama feitas com moldura de madeira, com mais de 40 metros de altura, construídas por seus geniais arquitetos. Quase foram exterminados pelos caubóis que lhes roubaram as terras num cruel bang-bang. Hoje com 5.757 pessoas, formam confederação autônoma de várias etnias, reconhecida pela Lei de Oklahoma, que legitimou o governo e até a Constituição da nação Caddo.

O Museu tem um acervo de mais de 15 mil peças, incluindo fotos e obras de arte contemporânea, além de biblioteca de referência com mapas, manuscritos, gravações de áudio na língua Caddo, vídeos de músicas, danças. Mantém exposição permanente de prata tradicional e cerâmica, com exibição dos princípios que regem sua cultura, um dos quais defende que se deve “tratar a terra e todos que a habitam com respeito”, muito similar à filosofia dos indígenas no Brasil.  Isso é civilização, Jair, é o que você quer exterminar quando afirma que vai rever as demarcações das terras indígenas. Você devia seguir o exemplo dos Caddo e não do Trump e do velho Oeste.

Cito os Caddo aqui pela lição que eles podem nos dar de humanidade, de solidariedade, de justiça, de convivência fraterna com as pessoas, os animais, as árvores, os rios, mas por duas outras razões:

1) O Museu possui uma foto de 1902 da senhora Whitebread, mulher do cacique Caddo, que parece a “mãe gêmea” do Dauá Puri, liderança hoje dos índios Puri, no Vale do Paraíba (RJ), amigo do psicógrafo que quer aqui homenageá-lo;

2) a exigência de quem psicografou que vê índio por todos os lados e se amarra em museus.

Dor de barriga

Jair, na minha infância eu costumava jogar bola em torneios no campinho do Seminário São José em Caetité, na Bahia. Lá, quando um jogador era muito ruim e fazia no campo o que você está fazendo no Palácio do Planalto, o técnico, que era o padre Diretor, aos berros, o retirava de campo, chamando-o de “pé-murcho”. Para evitar tanta humilhação, a arquibancada se antecipava gritando:

– Finge que está com dor de barriga, pede pra cagar e sai.

Essa era a fórmula para indicar saída menos desonrosa. Foi assim que o Collor de Mello fez, em 1992, pressionado pelos caras-pintadas que ganharam as ruas e pelo processo de corrupção ao qual respondia.

Hoje, o maior problema do Brasil chama-se Capitão Jair, maior que o corte de verbas, o aumento do desemprego, a queda do PIB, o caos na educação, na saúde, na segurança e na questão ambiental, que se agravam por sua incompetência. Os jornais deste sábado reproduzem um texto seu no WhatsApp, no qual reconhece que o país é ingovernável. Ingovernável por você, capitão, que não é um estadista. O estadista foi preso para não poder concorrer às eleições, e quem o prendeu ganhou, em agradecimento, o Ministério da Justiça e a promessa de nomeação para ministro do STF.

Você, que representa a derrota da inteligência, nos mata de vergonha. Por isso, com todo respeito, usando linguagem menos chula do que a sua e do seu guru Olavo de Carvalho a quem condecorou, o povo brasileiro nas ruas pede que você declare estar com diarreia mental e exige:

– Jair, pede pra cagar e sai.

Se achar o termo vulgar, siga, então, o conselho mais refinado que dou na minha música “A Carta”:

– Renunciaaaar, seria a solução.

A CARTA, de Waldick Soriano, em sua versão original: https://www.youtube.com/watch?v=Mr0_A9d24wE