Sem lugar a dúvidas, a pandemia da covid-19, ainda longe de ser debelada, irá produzir, entre outras inquietantes consequências, uma crise fiscal em escala internacional.
A crise fiscal demandará uso de um diversificado arsenal de políticas monetárias e fiscais, cuja utilização não será homogênea entre os países, à vista da incidência diferenciada da crise e da disponibilidade, também, diferenciada dos meios. Não há fórmulas prontas. Por ora, só existe uma grande perplexidade.
Inevitável que se instale um debate sobre remédios extraídos do campo tributário. Alguns países, a propósito, já os implementaram.
A Argentina, por exemplo, instituiu, em caráter temporário, um tributo (Aporte Solidario y Extraordinario) incidente sobre patrimônios superiores a US$ 2,45 milhões, que se filia à categoria dos impostos sobre grandes fortunas.
O simples anúncio do tributo, entretanto, estimulou a transferência do domicílio fiscal dos ricos argentinos para o Uruguai, que inclusive alterou a legislação para reduzir as exigências para recepção de contribuintes estrangeiros. O fluxo foi de tal ordem que elevou os preços de imóveis no balneário uruguaio de Punta del Este.
Esse movimento reproduz o que ocorreu na França, sempre que governos socialistas decidiram aumentar, desproporcionalmente, a tributação dos mais ricos.
A combinação do imposto sobre as grandes fortunas, instituído na década de 1980 no governo Mitterand, com a elevação do imposto de renda, no governo Hollande, além de representar um fiasco arrecadatório, apenas estimulou a migração de domicílios fiscais para o Exterior.
O exemplo clássico dessa migração foi a mudança de domicílio fiscal de Gérard Depardieu, mais importante ícone do cinema francês. Constatou-se, também, que a atriz Laetitia Casta que fora escolhida, em 1999, para encarnar a Marianne (efígie que personifica a República Francesa) tinha domicílio fiscal no Reino Unido, o que permitiu aos humoristas dizerem que ela tinha o busto em Paris e a poupança em Londres.
Abundam, pois, exemplos da facilidade com que pessoas ricas migram para outros domicílios fiscais, quando se sentem alcançadas por uma tributação entendida como desarrazoada.
É certo que a instituição ou majoração de tributos deve ser considerada no âmbito dos instrumentos capazes de mitigar o desequilíbrio fiscal, sem perder de vista, contudo, que essa via pode não ser necessariamente a melhor.
A opção pela via tributária deve considerar, ao menos, dois princípios basilares: equidade e eficiência. Com base neles é que pretendo fazer uma sucinta avaliação da instituição do imposto sobre grandes fortunas como instrumento para enfrentar a crise fiscal brasileira.
Na perspectiva da equidade, que se deduz do princípio da capacidade contributiva, a opção por uma tributação desproporcionalmente maior sobre os ricos milita em favor do imposto sobre as grandes fortunas, desconsideradas outras opções, tributárias ou não. A equidade, contudo, demanda eficiência, sob pena de tornar-se uma quimera.
Vários países instituíram imposto sobre grandes fortunas para, em seguida, extingui-los em razão de sua complexidade e baixo resultado arrecadatório.
Hoje, na Europa, esse imposto só remanesce na Suíça, Espanha e Noruega, a despeito de gerar receitas variáveis entre 0,2 e 1% da arrecadação total, não computada a migração de domicílios fiscais com impactos em outros tributos. Tem, portanto, valor meramente simbólico.
A previsão na Constituição de 1988 de um imposto sobre grandes fortunas, até hoje não implementado, tem clara inspiração francesa. O atual governo de Macron, entretanto, praticamente extinguiu o imposto, ao reduzir significativamente sua base de cálculo.
É certo que temos um grande desafio no enfrentamento da crise fiscal, inclusive pela imprescindibilidade da atenção aos vulneráveis. É preferível, todavia, previamente dimensionar a crise e, a partir daí, explorar as possiblidades de solução. Eu não começaria com o imposto sobre grandes fortunas. Há opções melhores.