CPMF : A FAVOR OU CONTRA?

Republico abaixo dois artigos publicados pela Folha de São Paulo de hoje. Contra a volta da CPMF escreve o Presidente da CNI – Confederação Nacional da Indústria e a favor o economista Marcos Cintra, autor da proposta do Imposto Único que terminou gerando o IMPF e depois a CPMF. Conhecer as divergencias permite avaliar melhor determinada situação e formar o próprio juízo. É com objetivo de ampliar e qualificar o debate que faço a republicação abaixo:

É preciso recriar a CPMF para melhorar a saúde?

SIM : Voto de confiança

MARCOS CINTRA

No Brasil, melhorar a saúde não é questão de dinheiro. Há recursos, mas o governo não investe o que deveria no setor.

Mesmo que fosse preciso apenas mais recursos, cabe indagar se a CPMF seria o instrumento recomendável para suprir tal objetivo.

Se fosse apenas uma questão de mais dinheiro, por que não um adicional do Imposto de Renda, ou o Imposto sobre Grandes Fortunas, ou uma sobretaxa no ICMS? O tema envolve a saúde, mas principalmente a qualidade do instrumento que se pretende usar, a CPMF.

“O homem é o homem e a sua circunstância”. Essa máxima de Ortega y Gasset vale também para a questão tributária: a CPMF é ela e suas circunstâncias.

A discussão sobre o tema está ocorrendo de forma emocional e preconceituosa. Enquanto em todo o mundo o debate sobre tributação da movimentação financeira (chamada de “Tobin Tax”) vem empolgando economistas e políticos, a discussão no Brasil envereda por interesses políticos menores e deixa de lado as questões centrais sobre essa nova forma de exação tributária.

O uso da CPMF envolve aspectos micro e macroeconômicos, que vão muito além da simples aferição de seus efeitos no setor de saúde.

Microeconomicamente, o Brasil comprovou que o IPMF/CPMF não ampliou as distorções alocativas que tributos de qualquer natureza introduzem no sistema econômico.

Pelo contrário, mesmo sendo cumulativo, ele gera menos distorção que impostos não cumulativos (como PIS-Cofins, ICMS e IPI, atualmente em uso no Brasil).

Isso porque ele minimiza a evasão e, portanto, exige alíquotas nominais significativamente mais baixas para arrecadar. Além disso, a corrupção e os custos operacionais são menores que nos sistemas tributários convencionais, que são declaratórios e altamente burocratizados. O Banco Mundial vem mostrando isso à exaustão.

Ainda sob a ótica microeconômica, a CPMF é um tributo que permite maior justiça fiscal, por ser um imposto quase proporcional, ao passo que nosso atual sistema é notoriamente regressivo.

Essas são algumas conclusões derivadas do livro de minha autoria publicado recentemente nos Estados Unidos, chamado “Bank Transactions: Pathway to the Single Tax Ideal”, contendo simulações baseadas na matriz de insumo-produto do IBGE. Contudo, deixando de lado o tributo em si para analisar as suas circunstâncias, o quadro muda de figura.

Em termos macroeconômicos, a volta da CPMF implica aumento da excessiva carga tributária. Sua volta, sem redução de outros tributos, implica perda de competitividade da produção nacional.

Se a CPMF vier mais uma vez para se sobrepor ao caótico e abusivo sistema tributário atual, ao invés de se tornar uma opção capaz de substituir componentes da estrutura tributária ortodoxa, só me resta reafirmar o que disse há anos: é o estupro da proposta do imposto único.

Nessas circunstâncias, a CPMF deve ser rejeitada, pois seria um bom imposto em má hora.

Contudo, a recriação da CPMF para a saúde seria aceitável se houver forte vinculação ao financiamento da saúde com repasses a Estados e municípios e se viesse acompanhada por alguma compensação, por exemplo, substituir tributos disfuncionais como os que financiam o INSS, cuja principal base de incidência-a folha de salários- mostra-se cada vez mais frágil para sustentar a previdência pública brasileira.

Nesse caso, a carga tributária não aumentaria e a qualidade do sistema tributário melhoraria.

MARCOS CINTRA, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), é professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas e autor da proposta do imposto único.

NÃO: Mal desnecessário

ROBSON BRAGA DE ANDRADE

Em muitos aspectos da vida, incorremos em males descritos como “necessários e inevitáveis”, diante dos quais o bom senso recomenda resignação. Mas, diante de males evitáveis e desnecessários, todo esforço deve ser empregado em sua correção e superação.

A extinção da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), em 2007, pôs fim, tardiamente, a um “mal desnecessário”, por pelo menos seis razões.

1) Incidência em cascata: tributos cumulativos e lineares são uma das primeiras inadequações que se eliminam em reformas tributárias pautadas pela racionalidade fiscal.

Os bons impostos são calculados sobre o valor adicionado ou, sem reincidências, sobre a renda gerada no processo produtivo.

Os primeiros são indiretos e oneram mais os contribuintes com renda mais baixa, razão pela qual têm alíquotas diferentes em função da essencialidade do produto.

Os segundos são diretos e têm alíquotas progressivas, por razões de justiça fiscal. Já as tributações em cascata não diferenciam produtos e renda. Só essa mazela já justificaria sua remoção.

2) “Custo Brasil”: a reedição da CPMF aumenta expressivamente o “custo Brasil”, um oneroso e desnecessário composto que atinge a competitividade das cadeias produtivas. Desde o início dos anos 90, quando se desencadearam os movimentos mundiais de abertura de mercados, têm sido desenvolvidos, no mundo todo, esforços para limpar as estruturas de custos e ampliar a competitividade.

Criar ônus fiscais em cascata é remar contra fortes correntes e afrontar interesses nacionais.

3) Regressividade: uma das falácias com que se pretende sustentar a CPMF é a de que ela incide mais sobre as classes abastadas.

Na realidade, ela onera mais, em proporção à renda, as classes na base da pirâmide. Os pagamentos de salários, da base ao topo, são por transferências de saldos bancários, e a tributação do acesso a eles onera proporcionalmente mais os salários mais baixos. O mesmo ocorre nas baixas das aplicações financeiras populares e de menor valor.

4) Vinculação: outra inconsistência é sua vinculação a uma categoria de dispêndio. A experiência mostrou que a CPMF atendeu mais a fundos previdenciários e de transferência de renda do que à destinação que justificou sua criação.

Um dos bons princípios que regem a criação de tributos é seu destino difuso, não vinculado. Fossem todos vinculados, teríamos infinidade de tributos, por causa da amplitude dos dispêndios públicos.

5) Desintermediação: para escapar dos efeitos cumulativos da CPMF, os contribuintes evitarão liquidações de transações no sistema bancário. Essa fuga implica riscos, processos de desintermediação desgastantes e é um convite à informalidade.

6. Ineficiência e aumento da carga tributária: a criação de novos impostos é uma demonstração de desprezo pela eficiência fiscal.

Esta pressupõe reduzido número e alta qualidade de tributos, baixa carga tributária e alta qualidade de destinação. O Brasil já está na contramão desses princípios. Criar mais um tributo, e de má qualidade, aumentar a carga em relação ao PIB e privilegiar gastos de custeio em relação a investimentos é aprofundar heranças perversas, quando a nação clama por sua remoção.

Enfim, não há por que criar novos e maus tributos, mal disfarçados como “contribuição social”.

Não há tributos sem finalidade social, não se justificando sequer a nova denominação à extinta CPMF.

É, assim, lícito admitir que a nova rotulagem, CSS (Contribuição Social para a Saúde), pode ser vista como mal disfarçada tentativa de justificar semanticamente a recriação de um tributo que não se justifica racionalmente.

ROBSON BRAGA DE ANDRADE, 61, é presidente da Confederação Nacional da Indústria.