Coragem para absolver : “Para o juiz, a covardia é tão nefasta quanto a venalidade”

Do CONSULTOR JURÍDICO, por Rafael Baliardo e Rodrigo Haidar

Há 20 anos, juiz corajoso era o que condenava. Hoje, diante do aplauso fácil da sociedade que experimenta uma sensação de impunidade a ponto de defender processos sumários, o juiz precisa ter coragem para absolver. E serenidade para suportar críticas ácidas, muitas vezes, por ter cumprido bem seu papel de aplicar a lei e garantir direitos fundamentais ao réu, como o da ampla defesa e do devido processo legal.

O decano do Superior Tribunal de Justiça, ministro Francisco Cesar Asfor Rocha, acompanhou essa transformação por dentro. Chegou ao chamado Tribunal da Cidadania exatos três anos após sua criação e tornou-se o juiz mais longevo da corte. Na próxima terça-feira, 22 de maio, ele completa duas décadas de atuação no STJ, nas quais acumulou mais de 140 mil processos julgados, contados somente aqueles dos quais foi relator.

Parte destas transformações se deu graças à visibilidade social que a Justiça ganhou e ao novo desenho institucional, que alçou o Poder Judiciário ao papel de protagonista da vida cotidiana. “O Judiciário vivia como um molusco dentro de sua própria concha, isolado em uma torre de marfim, distante da realidade social”, afirmou o ministro em entrevista à revista Consultor Jurídico.

Na opinião do ministro, a abertura foi essencial. Um acompanhamento mais atento da imprensa, apesar de ainda defasado e pouco especializado, revelou os vícios da Justiça e ajudou a depurá-la. Mas, como em tudo na vida, trouxe também dores de cabeça. O saldo, para Asfor Rocha, é positivo: “Creio ser essa descoberta benéfica para o Judiciário, pois enseja a correção de muitos vícios, os que já tínhamos e estamos corrigindo, outros que ainda temos”.

Nesta entrevista, que inaugura uma série de textos sobre a trajetória e o trabalho de Asfor Rocha, o ministro fala sobre os principais desafios encontrados ao longo dos anos, analisa as transformações do Judiciário, faz um balanço sobre o protagonismo do poder e revela que já teve muitas dúvidas sobre se valeu a pena deixar uma bem sucedida carreira na advocacia para vestir a toga. “Eu já me perguntei muitas vezes, e ainda hoje me pergunto, se fiz a escolha certa. A resposta eu só vou obter, talvez, ao final da minha vida”, afirma.

Leia os principais trechos da entrevista:

ConJur — Qual a principal diferença da magistratura de hoje para aquela de quando o senhor tomou posse, há 20 anos?
Cesar Asfor Rocha — Em 1992, era preciso coragem para condenar um réu. Hoje é preciso muita coragem para absolver. Estávamos nos primórdios da redemocratização e valores que foram postergados e até, em certos momentos, aniquilados no período anterior, passaram a ser exaltados. O princípio que preponderava naquele instante, que reclamava maior atenção, era o da segurança jurídica, que se contrapõe ao princípio da celeridade. Hoje, com tantos e frequentes casos apontados de corrupção, que transmitem frustração que culmina com uma sensação de impunidade, a sociedade reclama por celeridade. Mas, nem por isso podemos deixar de lado as franquias democráticas, fragilizar o direito de defesa, que são conquistas da civilização. Hoje, o juiz precisa de muita coragem para absolver pelo receio de ser rotulado de fomentador de impunidades.

ConJur — Condenar é mais fácil…
Asfor Rocha — Condenar é muito fácil porque no inconsciente coletivo há expectativa de que, uma vez apontados certos desvios, não haveria necessidade de processo. E se o processo contiver algum vício, por grave que seja, teria que ser superado. É como se dissessem: “Mas está evidente que essa pessoa é culpada. Não precisa haver o devido processo legal”. Até porque, muito comumente, a imprensa investiga, processa e condena a um só tempo. Daí o juiz sente-se acossado a condenar também. Mas o papel do Judiciário é outro. O juiz precisa ter muito compromisso com as regras constitucionais e muita coragem cívica para aplicá-las, conduzindo o processo com isenção e serenidade.

ConJur — O que um juiz não pode ser?
Asfor Rocha — Covarde. Para um magistrado, a covardia é uma característica tão nefasta quanto é a venalidade.

ConJur — O senhor citou a imprensa. Há 20 anos, a imprensa já havia descoberto o Poder Judiciário?
Asfor Rocha — Não. O Judiciário vivia como um molusco dentro de sua própria concha, isolado em uma torre de marfim, distante da realidade social. Ademais, o dia-a-dia do Judiciário não despertava nenhum interesse jornalístico, já que o Judiciário não tinha o protagonismo de hoje. Os tribunais não tinham sequer setor de imprensa ou de comunicação social. E a imprensa não destacava profissionais para cobrir o Judiciário. Além do que os profissionais das duas áreas guardavam uma espécie de distância regulamentar.

Para ler na íntegra, vá neste endereço:  http://www.conjur.com.br/2012-mai-20/entrevista-asfor-rocha-decano-superior-tribunal-justica