“Abajo la inteligencia, viva la muerte”!
(Millán Astray, general, 1936)
– Bolsonaro comeu coquinho de caroço de tucumã. Isso explica tudo.
Essa descoberta sensacional foi anunciada nesta semana pela historiadora amazonense Astrid Lima, nascida no bairro de Aparecida e hoje residente em Roma. Ela ficou estarrecida quando o capitão enalteceu a morte de um voluntário dos testes da vacina Coronovac: “Morte, invalidez, anomalia […] Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”. Depois de faturar com o luto alheio, ele banaliza: “Todos nós vamos morrer um dia”, o Brasil “tem que deixar de ser um país de maricas”. O capitão mostrou as armas ainda ao novo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que defendeu a preservação da Amazônia: “Apenas a diplomacia não dá, né Ernesto, tem que ter pólvora”.
Ernesto Araújo, o obediente ministro das Relações Exteriores, ali presente, concordou com o hino de louvor à guerra e à fatalidade da morte expresso numa logorreia tautológica, usado anteriormente para as vítimas do coronavirus que somam hoje no Brasil mais de 162 mil mortos. Dois ministros médicos demitidos sucessivamente por discordarem do capitão foram substituídos por um general da ativa que faz tudo o que seu mestre mandar e, humilhado, admite publicamente: “Obedece quem tem juízo”. Uma desmoralização para o Exército brasileiro.
Essa obsessão pela morte por quem já declarou – “eu não sou coveiro” – é uma forma de tanatofilia, que precisa ser compreendida, né Ernesto? Surgiram várias explicações para a diarreia mental do presidente, motivo de chacota no mundo inteiro, né Ernesto?
O valentão
– O capitão, doido e alucinado, teve o equilíbrio psíquico afetado após a derrota do seu amo Donald Trump – afirmou o senador Requião.
– Ele ficou demente diante da iminente prisão do filho Flávio Rachadinha – afirmou um comentarista da Globo News.
Já o psicanalista Contardo Calligaris avalia que Jair é um macho primário e tóxico com sérios desvios de personalidade e que, atormentado pela dúvida, vive se perguntando: quem sou eu? É o mesmo valentão que no dia 4 de julho de 1995, no sinal em Vila Isabel, se acovardou frente a dois bandidos que levaram sua moto e a pistola Glock que tinha debaixo da jaqueta? Cadê o valentão, o ferrabrás?
– No Brasil, todo mundo é maricas, exceto quem não é – ironizou nas redes sociais o poeta e designer gráfico André Vallias, parafraseando o antropólogo Viveiros de Castro.
No entanto, nenhuma dessas explicações satisfizeram plenamente a pesquisadora Astrid, que permaneceu intrigada e desconfiou que aquilo que estão chamando de insanidade conjuntural é outra coisa, não é de agora, mas existe desde sempre. Foi ai que ela descobriu a história elucidativa do tucumã.
Como se deu tal descoberta? Foi por acaso, como aquela maçã que caiu na cabeça de Newton, em 1666, permitindo a formulação da lei da gravidade. Astrid pesquisava nos arquivos da Sociedade Geográfica Italiana, em Roma, a vida de Stradelli – o conde italiano que viveu entre os índios, contraiu lepra e foi enterrado em 1926, no cemitério de Paricatuba, às margens do rio Negro, a 30 km de Manaus. De repente, no meio de fotografias amareladas pelo tempo, ela encontrou um manuscrito, que ninguém sabe como foi parar lá. Era um diário que deu as pistas para compreender a conduta de Jair Bolsonaro.
Diário de Montemurro
A historiadora, ao ler aquele calhamaço, estremeceu. Seu autor, de nome Nicolao, era um italiano nascido no município de Montemurro, na Provincia de Potenza, em Basilicata, Itália. Migrou para o Amazonas e se tornou dono de uma sapataria na rua da Instalação, em Manaus. O documento traz em letra caprichada um capítulo dedicado ao casal amigo do autor, Percy Geraldo Bolsonaro e Olinda Bonturi, também filhos de imigrantes italianos que viviam em Campinas, a quem Nicolao enviou, em 1962, um cacho de tucumã.
Nicolao escreve aos seus compatriotas que o tucumã, fruta regional comestível, dá numa palmeira. Debaixo da casca, apresenta uma carne alaranjada e oleosa, ligeiramente adocicada, com a qual se faz sanduíche de pão com queijo, conhecida hoje como X-Caboquinho, que era levado diariamente pelo ex-senador Alfredo Nascimento ao então governador. Retirada a polpa, aparece um caroço extremamente duro, com o qual os artesãos indígenas fabricam anéis, brincos, pulseiras. “O caroço não é comestível, sua ingestão traz consequências nefastas – adverte Nicolao.
Foi ai que começou a tragédia. Jairzinho, de 7 anos de idade, filho do casal, não leu o diário porque continha muitas palavras e nenhuma figurinha. Com um martelo quebrou o caroço e ingeriu o seu conteúdo. Ora, na Amazônia, todo mundo sabe que quem come coquinho de tucumã fica burro e se imbeciliza. Existe até uma expressão para definir quem é curto de ideias e lento no raciocínio: “Coitado, ele comeu coquinho de tucumã”.
Os moradores de Tapauá, onde o buraco é mais embaixo, assim como de toda a região do rio Purus, acreditam que os eflúvios do coquinho sobem pra cabeça e deixam a pessoa apatetada e estúpida, falando besteiras sobre assuntos que não entende. Já em Urucurituba e na microrregião de Itacoatiara afirmam que, além de se idiotizar, o comedor, que não teme a morte, fica insensível à dor alheia.
Viva la muerte!
Foi assim com o general franquista José Millan Astray que em sua infância comeu o “pepinillo del diablo”, um fruto parecido com um pepino pequeno que dá dentro de uma cabaça, cujo efeito é similar ao do coquinho do tucumã. No dia 12 de outubro de 1936, o general invadiu a Universidade de Salamanca no início do ano letivo e proferiu o berro fúnebre que até hoje ecoa pelo mundo. O filósofo don Miguel de Unamuno, ali presente, considerou “abjeto” o pronunciamento do militar e dirigiu a ele seu discurso histórico:
– “Acabo de ouvir o grito de viva a morte, que equivale dizer morra a vida! Vencer não é convencer. General, vocês podem até vencer, porque têm armas de sobra, mas não convencerão, porque convencer significa persuadir. E para persuadir é necessário algo que vos falta nesta luta: inteligência, razão e amor à justiça. Me parece inútil pedir que vocês pensem na Espanha”.
O general espanhol não era demente. Nem o capitão, que defende a tortura. Eles apenas comeram o coquinho de tucumã e o “pepinillo del diablo”, o que mata qualquer brote de inteligência. Simples assim. Muitos eleitores que votaram no capitão também comeram a mesma fruta, ao contrário de outros que não são burros e, diante do discurso anticivilizatório, já estão arrependidos do voto dado ao “estuprador de florestas” nas palavras de Cristine Takuã, professora guarani na Escola Txeru Ba’e Kua-I.
A questão central não é a inevitabilidade da morte reconhecida desde o Paleolítico pelos hominídeos, mas como viver melhor, como prolongar a vida com conforto, projeto civilizatório do qual a ciência faz parte. As vacinas estão neste pacote que só a inteligência alcança e não a pólvora. Por isso, os generais Santos Cruz e Paulo Chagas, que não comeram o coquinho, já manifestaram seu incômodo.
A historiadora amazonense, que salivava enquanto lia o diário de Montemurro, lembrando os saborosos tucumãs da feirinha de Aparecida, sabe que o capitão não pode mais descomer o coquinho. Não tem jeito. Por isso, ele é assim, obtuso, e no passado foi desligado do Exército. O referido é verdade e dou fé. Taí a Astrid Lima que não me deixa mentir. Ou deixa?
P.S. – Ilustrações do Merthiôla