Por Marcelo Ramos
Oh, meu pai, desculpe se sou egoísta por isso – você deve estar bem melhor que nós aqui nesse mundo de violência, corrupção e injustiças – mas como eu queria você aqui pra ver o lar que construí, meu apzinho que divido com a minha esposa (Juliana) e com meu filhão (Gabriel) parece um palácio de felicidade.
Desculpe mais uma vez meu egoísmo, mas como eu quis correr pra ter abraçar quando soube que passei no vestibular, depois foi o Beto, a Glenda e, por fim, o dia da colação de grau do Rodrigo. Oh, pai, quando o Rodrigo colocou grau, como eu quis te dizer: “missão cumprida”, eu ajudei a honrar seus sacrifícios, enfrentamos as dificuldades da vida e vencemos por nós e pela sua memória.
O Gabriel nasceu, tá crescendo e não pude te ver carregá-lo no colo, não ouvi ele te chamar: vovô. Ele é bom aluno, pai, toca teclado, violino, é um bom filho, como fui pro senhor.
Eu casei, pai. O Gabriel foi pajem do meu casamento – fiquei muito emocionado quando ele entrou na Igreja. Mas olhei pra porta e vi você entrando também. Não sabia que você ia. É, eu sei que seu corpo não estava lá, mas aquele Beto que entrou com a mamãe na Igreja era você, eu sei disso, não tente me enganar.
Pai, tenho uma novidade. A Glenda tá grávida, em breve o senhor terá sua primeira netinha, a Valentina, pra se juntar ao Gabriel e ao Betinho que você já deve conhecer dai de cima. Estamos muito felizes. É a sua família crescendo.
A mamãe, pai, é o nosso porto seguro. Como pode uma mulher ser tão forte, tão guerreira, tão apaixonada pelos seus filhos. As vezes, penso que você só nos deixou tão cedo porque tinha certeza de que ela, por aqui, seria capaz de fazer por ela e por você. Olha, pai, e foi! Saiu-se muito melhor do que o senhor poderia imaginar. Ela ainda sente muito a sua falta.
Se a Maria Carolina tiver ai do seu lado, dá um beijinho nela, diga que sinto muitas saudades e que guardamos um quadro imenso com a foto dela na sala da casa da mamãe, ah, ela já deve saber, vocês ai em cima sabem de tudo.
É, pai, há 26 anos não teve vejo. Na verdade, quando a Maria Carolina faleceu, um dia o tio Ricardo me disse pra eu fechar os olhos e tentar ver você e a Maria Carolina, eu fechei e vi. E ele me disse que se eu posso vê-los é porque vocês estão por aqui.
Pai, fechei olhos, tô te vendo! Você vai ficar feliz, nem precisou de botox ou dessas outras presepadas de rejuvenescimento que inventaram por aqui, to te vendo como naquele 06.10.1985, você só tinha 39 anos, continua jovem, bonitão. Puxei pra ti. Desculpe a gracinha.
A saudade tá grande, pai. Eu sei que temos que respeitar a vontade de Deus e que ele sabe o que faz. Aproveita que tá ai por perto e diz pra ele que fico triste de saudade mas que, por paradoxal que pareça, agradeço tudo que aconteceu com a minha vida e da nossa família, talvez não fossemos tão unidos e não honrássemos tanto sua memória, se não fosse aquele fatídico 06.10.1985.
Pai, vou indo, tenho que descansar, amanhã trabalho cedo. Mas antes de eu ir, fecha os olhos ai também. Tá me vendo? Como eu sou bobo, você dai não precisa fechar os olhos pra me ver. Vem cá rapidinho, me dá um abraço, beija o Gabi, beija a Ju. Obrigado, pai. Também de amo. Bença, pai. Boa noite. Vamos conversar mais…