Por Helton Simões Gomes De Tilt (UOL)
Operadoras de telecomunicação e empresas de TV e rádio estão em uma queda de braço nos bastidores para impedir o 5G de interferir no sinal das antenas parabólicas. Uma das frequências da banda larga de quinta geração será a de 3,5 GHz, próxima àquela em que operam as TVs via satélite. Essa proximidade também deve afetar os serviços de telefonia por satélite. A briga já dura desde o fim de 2018, mas ganhou contornos mais nítidos recentemente.
Por conta da pandemia, os testes de campo propostos pelas teles ficaram inviabilizados. Então, a Anatel considerou a solução insuficiente e já começou a estudar uma forma de implantar a alternativa sugerida pelas TVs —que é muito mais cara, mas mais abrangente.
As duas opções na mesa têm custos que variam de R$ 456 milhões a R$ 7,8 bilhões. Esse dinheiro virá do valor pago na licitação do 5G, o que diminuirá o que sobra para investir em infraestrutura de banda larga em lugares com conexão ruim. A escolha, portanto, é usar o dinheiro para ampliar a inclusão digital no Brasil ou manter uma operação considerada antiquada por alguns.
Supercomputador x máquina de escrever
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A exigência de que a implantação do 5G deve resguardar as parabólicas partiu de uma portaria do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC) de janeiro deste ano. A reportagem tenta, sem sucesso, há duas semanas conversar com o representante da pasta para o assunto.
Para a Anatel, essa exigência limita a operação do 5G. “É como se a gente estivesse condicionando o acesso da sociedade a um supercomputador para proteger máquinas de escrever. Esse é o ponto. Será que a política pública do governo é acertada?”, afirmou um alto executivo da Anatel que não quis se identificar.
“Uma restrição —não no sentido pejorativo, mas no matemático— foi imposta na portaria que define a política pública. A equação 5G ficou condicionada a uma restrição”, limitou-se a dizer o presidente da agência, Leonardo Euler de Morais.
Por que as parabólicas interferem no 5G?
Diferentemente das TVs abertas ou da telefonia celular, as TVs por parabólica não são um serviço de radiodifusão, como o primeiro, nem de telecomunicação, como o segundo. Elas são um arranjo adotado pelo setor para ampliar o alcance de seu sinal a maiores distâncias sem implicar em custo maior.
O sinal de TV aberta captado pelas antenas parabólicas é transmitido via satélite, da central para suas afiliadas e retransmissoras, além de residências que compraram o equipamento. A solução é barata (basta um receptor e uma antena parabólica), o que facilitou a adesão. Como é enviado de um satélite a 35 mil km de distância, o sinal chega fraco, e os equipamentos atuais já trabalham no limite.
Quando o 5G chegar, esse equilíbrio frágil não vai sobreviver por conta da proximidade dos sinais entre essa tecnologia e a TV por satélite. Os problemas de convivência serão ainda maiores porque o 5G exigirá a presença de muitas antenas.
Para evitar que um serviço atrapalhe o outro, foram feitas duas propostas:
- A das telefônicas: implantar nas antenas filtros que reduzam o ruído causado pelo 5G (esses equipamentos são receptores de sinal de satélite que ficam encaixados na ponta da haste que fica no meio da parabólica); como é uma ação de mitigação de danos, ela seria voltada aos usuários mais vulneráveis do serviço. Nas contas das teles, isso custaria R$ 456 milhões. Já nos cálculos das TVs, sairia por R$ 800 milhões.
- A das TVs e rádios: migrar toda a transmissão de TV por antena parabólica para outra faixa de frequência; como atingirá todos os usuários do serviço, envolveria troca de todos os aparelhos usados (do set-top-box ao filtro das parabólicas) e isso sairia mais caro. As TVs estimam que ficaria em R$ 1,7 bilhão, enquanto as teles preveem algo como R$ 7,8 bilhões.
Quais são os argumentos dos setores para soluções opostas?
- Telefônicas: para as empresas do setor, a tecnologia existente já impede a interferência e poderia ser aplicada só onde existir problema. Isso diminui os custos de mitigação, que, na prática, serão pagos pelo Tesouro. Além disso, não poupam críticas à manutenção de um serviço instável às custas de outro.
Quando você migra para uma outra banda, leva 100% dos usuários [do serviço]. A mitigação vai atuar onde houver interferência. Não sei se você já assistiu TV por satélite, mas, quando chove, some o sinal. A nossa preocupação é com a sociedade, que terá um custo maior por um serviço cuja instabilidade é muito alta
Marcos Ferrari, presidente do Sinditelebrasil
- TVs e rádios: para estas empresas, a migração é ideal por resolver o problema de uma só vez. Isso porque o avanço do 5G no mundo está levando o serviço a ser operado cada vez mais em faixas usadas no Brasil pelas parabólicas. Elas argumentam que, quando esta onda chegar por aqui, novas mitigações serão necessárias.
Há uma escalada mundial do serviço móvel pessoal [telefonia celular] em direção à banda C [faixa das TVs por satélite, que vai de 3,7 Ghz a 4,2 Ghz] e levando todas as faixas no caminho
Luiz Carlos Abrahão, diretor de tecnologia da Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão)
Se não fizer [a migração] agora, vamos fazer para daqui a quatro, cinco anos. Por mais que seja custosa, é uma solução definitiva
Wender Souza, engenheiro da Abratel (Associação Brasileira de Rádio e Televisão)
Como o imbróglio afeta a chegada do 5G ao Brasil?
O impasse prejudica a implantação do 5G no Brasil, porque, conforme definiu o MCTIC, o edital do leilão deverá descrever qual é a medida mais adequada.
A Anatel chegou a testar a solução proposta pelas teles, de usar filtros, mas teve de suspender o trabalho devido à pandemia de coronavírus em março. Desde então, conduziu simulações de computador. Divulgadas em maio, elas mostraram que os filtros ainda não são o bastante para impedir a interferência.
Caso fossem adotados, a Anatel poderia ter de enxugar o futuro espectro do 5G, que poderia tornar o leilão da faixa menos atrativo. Ainda assim, a decisão só será tomada após testes de campo, ainda sem data para começar.
TVs e rádios comemoraram, enquanto as teles apostam suas fichas nos resultados obtidos nas próximas análises. Dentro da Anatel, a opinião é que quanto mais dinheiro for exigido para resolver a interferência, menos será destinado para a interiorização da banda larga.
Desde 2001, o Fust [Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações] arrecadou R$ 21 bilhões em termos nominais (R$ 34 bilhões em valores corrigidos pela inflação), mas o governo reverteu o dinheiro para fazer superávit primário.
Para as teles, o leilão do 5G deveria ser adiado até o fim da pandemia. A interferência nas parabólicas é apenas um dos problemas a se resolver antes de a quinta geração da internet móvel desembarcar por aqui. Outros deles são a não-criação da Autoridade de Proteção de Dados Pessoais (ANPD), problemas com instalação de antenas e no direito de passagem, além da renovação das concessões de radiofrequência.
Já há gargalos regulatórios estruturais. Com a crise, veio tornar a visão ainda mais difícil de longo prazo. É recomendável que deixe baixar a poeira antes de pensar em trabalhar futuramente o 5G
Marco Ferrari