Por Demóstenes Torres:
Eu estava em Nova York, participando da Assembleia Geral da ONU como observador do Senado, quando o presidente Barack Obama foi eleito. Logo após a consagração do primeiro negro a comandar os Estados Unidos se seguiu no Brasil euforia desvairada. A partir de estranhos estímulos do Palácio do Planalto criou-se ideia de que haveria virada de página nas relações entre o colonizador e a América Latina, que passariam a ter mais paridade e respeito.
Conforme compreendia à época, nada disso iria acontecer e sequer haveria alteração no baixo nível de interesse dos Estados Unidos pelos países satélites situados abaixo de Tijuana. Tanto é verdade que só agora, no terceiro ano do mandato, Obama virá ao Brasil. Mesmo assim, temos muito que conversar e a oportunidade é boa a se considerar a disposição da presidente Dilma de rever o antiamericanismo como instrumento da política de Estado do Itamaraty que permeou todo Governo Lula.
Naturalmente que não se pode esperar muito da visita, que além do queridismo protocolar que se reveste, sempre tem agenda caricaturesca em passagem por favela, apresentação particular da Timbalada e lautos jantares nos quais o primeiro mandatário do planeta não bebe água de Pindorama.
A primeira questão a se levar em conta é que cada vez mais os interesses do Brasil e dos Estados Unidos tendem a ser contraditórios em função das aspirações globais do nosso País, que neste ano se converteu na sétima economia do planeta e deve chegar a médio prazo à quinta posição. O fato não elide o aprimoramento do diálogo. Ao contrário, para superar os desacordos nada mais importante do que estreitar a cooperação em setores estratégicos que vão das trocas comerciais ao campo militar.
No final da Era Lula, as relações bilaterais foram tensas em função da atuação inoportuna e equivocada do Brasil em diversos temas. O papelão patrocinado em Honduras só não foi mais prejudicial em decorrência da fraca importância do País caribenho. O fato que mais estarreceu e irritou o Departamento de Estado dos Estados Unidos foi a intromissão estabanada e sem qualquer serventia no caso iraniano, quando o Brasil apoiou o programa nuclear daquele país. A cantada de galo em terreno alheio foi altamente improdutiva para o Brasil e só acendeu na comunidade internacional que decide desconfiança acerca da capacidade do País para exercer posição de importância, como a de membro do Conselho de Segurança da ONU.
Depois do episódio de afagos e abraços ao regime de Mahmoud Ahmadinejad, caberá ao Brasil reconstruir o caminho em direção do objetivo estratégico na ONU e ficaria tudo de bom caso a presidente Dilma já sinalizasse a Obama que não é mais prioridade da diplomacia brasileira bajular ditadores da pérsia e do continente africano. Poderia até socorrê-lo no caso dos países árabes em ebulição.
Aliás, a questão nuclear é um campo onde haveria abertura para grande cooperação entre Brasil e Estados Unidos, que poderiam ajudar no desenvolvimento do programa nacional e ainda quebrar as desconfianças sobre as nossas pretensões de uso civil e militar da tecnologia. Os EUA teriam também papel fundamental na transferência de conhecimento de inteligência de segurança para que o Brasil possa combater o crime organizado transnacional e especialmente começar a colher resultados na guerra às drogas antes que o País viva a situação imponderável que se estabeleceu no México.
O colóquio com o presidente Obama em Brasília deve passar também pela possibilidade de avanços da postura americana sobre o acordo global do clima e futura cooperação no desenvolvimento de energia renovável. O Brasil tende a ser um dos principais atores neste cenário e pode até liderar a consagração de agenda positiva para o pós-tratado de Kyoto.
O assunto principal da conversa com Obama deve ser, sem dúvida, a possibilidade de aliviar as sistemáticas tensões no comércio bilateral em decorrência das barreiras americanas aos produtos da pauta de exportação brasileira. Os negócios governam a diplomacia e somente acordo nesta seara poderia esquentar as nossas relações com os EUA. Do governo Dilma se espera definição de agenda estratégica em seu primeiro ato de relevância no cenário internacional. Seu antecessor era bom de conversa. Talvez ela prefira resultados.
Demóstenes Torres é procurador de Justiça e senador (DEM-GO)