Ciro Gomes: Time que não joga não ganha torcida

Transcrevo a seguir entrevista do deputado federal Ciro Gomes, provável candidato à Presidência da República pelo Partido Socialista Brasileiro concedido ao jornal O POTI , de Natal.

“O deputado federal Ciro Gomes (PSB-CE), potencial candidato à Presidência da República, defende que o seu partido participe ativamente das eleições 2010 e argumenta a impossibilidade de a base do governo Lula ter apenas uma candidatura. Na sua opinião, a diversidade de motivos para os apoios ao governo federal, afinidade histórica e ideológica até o fisiologismo e a expectativa de ‘‘meter a mão’’ no dinheiro público, impossibilitará essa convergência.

O deputado Ciro Gomes não poupou críticas à relação entre PT e PMDB no Congresso Nacional. ‘‘Tenho visto coisas de arrepiar os cabelos’’, disse. Amigo do presidente Lula e defensor do seu governo, Ciro entende que ainda há muito que avançar e os partidos progressistas não podem deixar que o PSDB retome o poder no país. 

De passagem por Natal, esta semana, para participar de debate sobre a integração da Bacia do São Francisco, Ciro Gomes concedeu entrevista exclusiva a O Poti na qual afirmou que o PSB deve participar da disputa pelo governo no maior número possível de estados e declarou ter sido um erro estratégico o partido não ter disputado a prefeitura de Natal quando detinha o poder local e possuía um governo bem avaliado. Na opinião do parlamentar, faltou uma intervenção maior do diretório nacional do PSB.”

A seguir, a entrevista.


O Poti – O senhor veio a Natal participar de um evento da Unale para debater a transposição do Rio São Francisco. Qual a importância desse tipo de evento? 

Ciro Gomes – Os deputados estaduais representam uma força política da maior importância na vida nacional brasileira. E isso nem sempre é considerado de forma correta. Por exemplo, no mínimo dois terços da Câmara Federal são produto de coalizões de deputados estaduais. Portanto, eu, que fui deputado estadual por dois mandatos, sempre que sou convidado para eventos como esse faço questão de atender. Imagine que você tem aqui uma representação média do pensamento brasileiro com sua multiplicidade, tem a questão da integração da bacia do São Francisco ao Nordeste, um tema que não pode ser ajuizado por cearenses e potiguares que desejam desesperadamente essa água e não têm outra alternativa. Ou por baianos e sergipanos que estão vendo o rio degradado e têm muitas vezes uma cidade pequena a meia légua sem água e que estão com medo de que essa que se traga para cá faça falta para lá. Esse é um projeto nacional que é tão qualificado que é possível afirmar que, ao beneficiar 12 milhões de pessoas, não prejudicará uma só pessoa. 

O senhor é um dos grandes defensores dessa obra. A discussão em torno dela se arrasta há décadas, ganhou força na gestão do presidente Lula, mas até o momento não foi licitado nenhum dos trechos que contemplam o Rio Grande do Norte. O senhor acredita que a médio prazo ela será concluída? 

Essa obra é mais barulhenta do que merecia porque ela é de uma simplicidade técnica muito grande. Eu falo isso porque eu liderei a equipe que fez o projeto, por delegação do presidente Lula, eu recolhi todas as críticas, elaborei o projeto de revitalização do Rio São Francisco. Então eu conheço todos os detalhes. Ele é praticável sem nenhuma dificuldade. Quando eu era ministro resolvi começar a obra com a engenharia do Exército fazendo as tomadas d’água de Cabrobó para o eixo norte, que atende o Rio Grande do Norte, e de Itaparica para o eixo leste. E começamos os dois e determinamos a licitação de todos. Em 2006, eu saí para ser candidato a deputado federal e continuou lá o Pedro Brito que era o coordenador. E aí no Brasil tem um problema: tudo que é de obra que o governo quer fazer começa a briga das empreiteiras, liminar para cá, liminar para lá. E nós estamos nessa fase. Vários trechos estão em execução, aqueles que o Exército está fazendo, cumprindo o cronograma normalmente. Mas eu entendo que não havia razão para se alterar esse cronograma assim de forma tão lenta. É preciso vigiar, é preciso cobrar. E eu estou fazendo esse trabalho. É preciso que todos façamos esse trabalho. Porque, agora, seria o pior dos mundos, começar depois de compromissos formais, como a revitalização que está em execução, você parar isso. Um prejuízo fatal já aconteceu: o presidente Lula não vai mais inaugurar o projeto. E é preciso cuidar mais ainda porque sempre houve uma ação clandestina dentro do governo Lula para tentar fazer apenas o eixo leste e não fazer o norte que atende o Rio Grande do Norte e o Ceará. 

Que tipo de ação? 

Na medida em que os adversários perderam o debate, eles tentaram a lei do menor esforço. O projeto são dois eixos. O leste que derrama água em Pernambuco e chega em Campina Grande. E o norte que atende o Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba. Então, a idéia malévola, maliciosa, é cooptar Pernambuco, que é da bacia, para induzi-lo a aceitar a metade do projeto, que é o eixo leste. 

O senhor teme que isso se concretize? 

Temo. Temo muito. É preciso vigiar para cobrar. Porque já temos um prejuízo fatal: o homem que teve coragem política de assumir esse projeto histórico, que é o presidente Lula, já aceitou o adiamento. 

Qual o projeto do PSB e do senhor, pessoalmente, para 2010? 

Eu disse aos companheiros – eles estão preocupados com essa precipitação do debate da sucessão do Lula, eu tenho uma vivência de 30 anos na política, e isso me dá um olhar mais sereno – time que não joga não ganha torcida. Eu acho que o partido devia disputar a presidência da República e todos os governos estaduais possíveis. Eu fiquei muito chateado com o que aconteceu aqui em Natal. Eu queria que o partido disputasse a prefeitura com candidatura própria. 

Foi o senhor, inclusive, que lançou o deputado Rogério Marinho num encontro do PSB em Natal. 

Claro. O
 Rogério Marinho é um cara qualificado, respeitado no partido, a gente com prefeitura de Natal, com governo do estado bem avaliado. 

Essa semana, ele conseguiu autorização do TSE para deixar o PSB sem perder o mandato. 

É lamentável. Mas, como eu ia dizendo, eu defendo que o partido tenha candidato em qualquer circunstância. Eu estou muito preocupado com o futuro do Brasil. Não é porque eu estou vendo uma tragédia no futuro. Basta que eu perceba a tragédia crônica que é o viver da média do povo brasileiro para ficar preocupado com o futuro do Brasil. Qual é a minha preocupação política mais grave hoje? Nós perdermos os inimigos caricatos. A ditadura, hoje não há um só político que não seja eleito pelo voto e há uma gravíssima, especialmente entre jovens, perda de confiança na política e na sua representação. Isso é muito grave. A inflação, antigamente nós tínhamos uma inflação de 84% ao mês. Então, tinha aquele debate todo que tinha que ser a emergência a ser combatida. Isso acabou. E não temos mais o inimigo, a ameaça da esquerda no poder. O Lula mata esse mito. E, às vezes, até mais realista que o rei. Ninguém pode mais duvidar de que a esquerda pode governar com muita responsabilidade e melhorar a vida do povo. Mas também não trouxe o paraíso para a terra. Existe uma frustração perigosa aí: acabou a inflação, mas e a vida do povo? A classe média, especialmente, onde a consciência crítica é maior, paga dobrado para viver no Brasil. Morre com o Imposto de Renda retido na fonte – não tem nem como escapulir – e paga plano de saúde porque a rede pública de saúde é uma vergonha, paga mensalidade escolar porque a rede pública de educação é uma vergonha, a despeito do esforço dos médicos e professores, a segurança pública não funciona e frequentemente as famílias têm custo com segurança privada. E você tem a questão do futuro. Seis de cada 100 garotos e garotas, apenas, têm acesso ao ensino superior público. Que é o único que ainda tem alguma qualidadezinha. O resto fica condenado a pagar uma faculdade privada que, via de regra, é uma arapuca. Vai virar um desempregado de nível superior. As pessoas estão se comportando meio como se não tivesse saída para isso. E eu sei que há. 

O senhor está falando como candidato a presidente? 

Eu já fui candidato a presidente duas vezes. Não fui a terceira para ajudar o Lula. Então, eu não posso estar mentindo para o povo e dizer que eu não quero ser. Evidente que quem já foi já revelou que quer ser. Agora, não é candidato de si mesmo. Eu quero ver o seguinte: qual a discussão que vai dar no bloco de esquerda que está incomodado com essa onda conservadorismo que, aliás, o PMDB e o PT estão impondo ao país. Se você vir o que eu estou vendo na Câmara Federal, você vai se arrepiar, você não vai acreditar o que o PMDB está patrocinando. 

O senhor acha que o Congresso está regredindo? 

Não, não está regredindo. Mas nenhum político brasileiro, do mais modesto vereador ao mais graduado presidente da República, hoje está aí sem ter sido eleito pelo povo. Tem alguma coisa errada nas instituições políticas, mas tem alguma coisa errada na desvalorização da política como linguagem. E, infelizmente, para o bem ou para o mal, é a política, e só ela, quem dita o destino da nação. Se você é displicente, descrente, se você aceita essa generalização reacionária que a grande imprensa do sul faz de dizer que política é uma coisa imunda, é sujeira, e o jovem especialmente se desencanta, chega o dia da eleição com toda a displicência, com todo o descuido, não reflete, e se livra da obrigação. 

O senhor acha que o presidente Lula fez certo de se comprometer antecipadamente com a candidatura da ministra Dilma Roussef? 

O presidente Lula é um político intuitivo brilhante. Eu conheço bem o presidente Lula, tenho por ele grande estima, e eu já vi como com muita audácia e brilho ele antecipa certas situações. Ele conhece melhor do que todo mundo o PT. Se ele não põe a mão num quadro petista que ele possa, sobre esse quadro, fazer um plano tático, inclusive para mudar de candidato ou manter o candidato, se ele não antecipa essa indicação informal, uma hora dessas vocês iriam ver a maior troca de dossiês e de canelada entre petistas. Porque aquilo lá às vezes é um ninho de rato. Uma hora dessas, Tarso Genro, Patrus Ananias, Jacques Wagner, Marta Suplicy, que seriam os pretensos candidatos, uma hora dessas estariam se tratando muito bem, aqui por cima da mesa e em baixo, canelada. E o governo ia pagar o pato disso. Não duvide que uma parte daquela esculhambação do mensalão foi guerra de petista. 

Em relação a essa decisão antecipada do presidente somada à aliança mais estreita com o PMDB, o senhor enxerga que a tendência é que o sistema governista tenha múltiplas candidaturas à presidência da República? 

Veja bem. Não existe sistema governista. Eu compreendo o que você está querendo dizer. Mas as forças que apóiam o governo Lula são tão heterogêneas, que eu vejo como absolutamente improvável que esta heterogeneidade que tem uma coesão nacional na sustentação do governo pelas razões mais variadas, desde afinidades históricas e ideológicas à fisiologia mais desbragada e a expectativa de meter a mão no cofre público. Então, não precisa estar junto, não deve estar junto, o povo aguardar atenciosamente que isso não esteja junto. Porque se não, não é o povo que escolhe, é meia dúzia de gente importante em Brasília. 

 

A governadora Wilma de Faria deixa o governo do estado em abril para ser candidata ao Senado e o PSB local está rachado, desde o ano passado. O senhor tem acompanhando a situação do PSB do Rio Grande do Norte? 

Eu tenho acompanhado. Eu lamento, como já disse, muito o que aconteceu aqui. Acho que houve erro estratégico do partido nacionalmente sobre ao assunto. É uma situação delicada, o partido tem a tradição de respeitar as injunções locais, mas, aqui, acho que a coisa passou do limite de recomendar uma intervenção mais sólida e lamento os desdobramentos que isso traz. Mas a vida é pragmática e nós, quando chegar em 2010, vamos ter unidade aqui com certeza. 

O senhor acha que a governadora vai conseguir se eleger? 

Ela merece. Ela é uma pessoa de um valor extraordinário, ela soma, o que é muito raro na vida pública do Brasil, o talento político com a vocação de administradora, com a simplicidade no trato pessoal. 

Como fica o Brasil com a crise econômica? 

Graças ao que nós fizemos no primeiro governo do Lula, pela primeira vez num século e meio, em função de uma crise internacional, o Brasil não vai sofrer graves consequências. O governo do Lula fez superávit nas transações do Brasil com o estrangeiro no primeiro mandato, usou esse superávit para fazer reservas cambiais. O déficit chegou e o Brasil quebraria. Mas nós estamos fechando esse buraco tirando um pouco da nossa caderneta de poupança. Então, vai depender um pouco da extensão dessa crise que, na minha opinião, sob o ponto de vista internacional, demora mais uns dois anos o epicentro dela. E nunca mais o sistema será o mesmo. O efeito prático no Brasil é que nós vamos cair de um pico de crescimento econômico ao redor de 6% ao ano, de setembro de 2007 a setembro de 2008, para, na melhor hipótese, algo em torno de 1,5% esse ano. Tudo começa a andar um pouco para trás. O que é lamentável. E não precisava ser assim. Se não fosse o ato de conservadorismo do Banco Central que errou feio, criminosamente no olhar dessa crise, quando o mundo inteiro praticou as mais drásticas reduções das taxas de juros, inacreditavelmente o Banco Central brasileiro subiu cavalarmente essa taxa, acrescentando sem razão uma causa interna a uma crise que de fora já traria consequências ao país. 

O presidente Lula tem o melhor índice de aprovação de todos os tempos, jamais visto. O senhor acha que essa crise econômica vai afetar? 

Vai. Mas existem duas questões centrais. A primeira é que o Brasil só melhorou. Não sou solidário só porque sou amigo. Eu acompanho e brindo dizendo que só tem um número que piorou que foi o da dengue. O juro é alto? É. Mas na média é o mais baixo juro real da história recente do país, sendo o mais alto do mundo. A outra razão intrínseca ao presidente Lula. Ele carrega a carga simbólica e no imaginário popular é a demonstração de que o filho do pobre mais humilhado pode vencer os seus desafios. Porque ele é filho de pobre que sofreu todas as humilhações que essa sociedade injusta, besta e doente que o Brasil ainda tem, elitista, e virou o presidente da República de sucesso internacional. 

O presidente Lula tem uma candidata a presidente. Como é que se é candidato contra o governo que o senhor admira? 

Eu não sou candidato contra. O Lula é o presidente do Brasil, não é o imperador que escolhe o sucessor e pronto. E eu não sou candidato. Posso ser, não posso negar que desejo ser, mas não serei a qualquer custo, não serei em nenhum a circunstância para atrapalhar o passo adiante que o país precisa ter. Eu acho que o que está em jogo não é conservar o governo Lula, o que está em jogo é não deixar andar pra trás, porque o nosso principal adversário é do PSDB, era da equipe econômica do governo Fernando Henrique, era ministro do Planejamento, todo o descalabro da privataria que aconteceu foi essa turma que fez e a concentração de poder, riqueza e informação na oligarquia em São Paulo. Segundo, não é conservar o governo do Lula. O governo do Lula é um avanço? Sim. Mas acho que o Brasil precisa avançar mais. O Lula fez a parte dele brilhantemente e, agora, vamos parar? É isso que nós queremos para o nosso povo? O que está aí? Não. Nós queremos melhorar muito mais e podemos fazer.”

Flávia Urbano e Juliska Azevedo 
Da equipe de O POTI

3 thoughts on “Ciro Gomes: Time que não joga não ganha torcida

  1. Ciro Gomes, de fato, como ele próprio sugere, amadureceu. Lendo a entrevista, vê-se que ele continua contundente quanto ao que acredita, porém menos desaforado, um jeito com o qual o brasileiro antipatiza, ainda que o cara seja, digamos, bom naquilo que se propõe a fazer.

  2. Dr. Ciro Gomes, no Ceará há alguém precisando tomar uma surra de cinto. Mas dê com o lado da fivela, tá!

  3. O ciro tem que se unir a Marina Silva e virar o jogo contra os sujos do PT E PMDB, VENHA CIRO VC SERA BEM VINDO AO MUNDO VERDE!

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