Por Sandro Vaia
É tradição conceder aos novos governantes 100 dias de graça até que eles se ajeitem na cadeira e consigam mexer os seus próprios pauzinhos.Nesses 100 dias, espreita-se, prescruta-se, ensaia-se e costuma-se anistiar os novatos, mesmo quando não estão batendo um bolão.
A presidente Dilma ainda está longe de completar os seus primeiros 100 dias e muitas pessoas tendem a beatificá-la previamente pelo simples fato de ter substituído o toque diário da corneta auto-glorificadora de seu antecessor por um decoroso e salutar silêncio.Convenhamos: aquela rouquidão de palanque repetindo dia após dia a ladainha megalomaníaca de amor à própria voz, já estava passando um pouco dos limites-inclusive passando dos limites da lei em vários episódios da campanha eleitoral.
Alguma alma sarcástica e impiedosa postou dias atrás em seu perfil no Twitter que “a maior obra de Dilma Roussef, até agora, foi ter calado a boca de Lula”.
A piada é implacável,mas ainda assim uma piada.
Como nos explicaram exaustivamente durante a campanha eleitoral, esse não é um novo governo: é de fato o início do nono ano de uma mesma gestão,onde o titular se retira provisoriamente de cena, por contingências legais, e é substituído por um alter-ego que ele mesmo criou e a quem deu o sopro da vida.
Por essa razão, embora ainda não tenham passado os 100 dias de graça, já é possível esquadrinhar diferenças e semelhanças entre a gestão que se encerrou e a que se inicia.
Há claras diferenças de estilo entre criatura e criador,e por enquanto é o que mais se nota.Na essência,porém, haverá motivos para acreditar que essa diferença de estilo se reflita também na diferença de métodos, princípios e práticas de governo?
Na primeira reunião ministerial houve discurso sobre “ética”, o que de fato é bom para marcar uma posição.Mas seria melhor ainda se o discurso viesse acompanhado de atitudes práticas- o que não é bem o caso da festejada presença de Erenice Guerra na cerimônia de posse,nem da leniência com que foram tratadas as irregularidades dos novos ministros do Turismo e da Pesca.
A pronta visita às áreas flageladas pelos temporais do Rio mostrou agilidade no gesto e pouca funcionalidade nas medidas práticas de socorro e de prevenção.Revelou-se,inclusive,que jazia nas gavetas do governo,desde 2005,um plano de implantação de um sistema de alertas que jamais saiu do papel e que só vai ficar pronto em 4 anos-se alguém cuidar de implantá-lo.
O silêncio e a discrição da presidente,até agora,serviram para alimentar o bem construído mito de sua eficiência administrativa e de sua invulgar capacidade de trabalho e planejamento.Dilma não fala, faz.O oposto exato de seu antecessor.
É possível que em 100 dias possamos começar a comparar a lenda com a verdade.E esperamos que, ao contrário do jornalista de Liberty Valance, o homem que matou o facínora, possamos publicar a verdade.
Sandro Vaia é jornalista. Foi repórter, redator e editor do Jornal da Tarde, diretor de Redação da revista Afinal, diretor de Informação da Agência Estado e diretor de Redação de “O Estado de S.Paulo”. É autor do livro “A Ilha Roubada”, (editora Barcarolla) sobre a blogueira cubana Yoani Sanchez.. E.mail: svaia@uol.com.br