Por Alfredo MR Lopes (*) alfredo.lopes@uol.com.br:
Num artigo sobre pré-requisitos de desenvolvimento econômico e segurança alimentar, coordenado por Salo Coslovsky (2014) da Universidade de Nova Iorque, a castanha do Brasil(BN) aparece como um produto de sucesso no mercado internacional que só manteve a grife da nomenclatura original. O mercado e os dividendos são da Bolívia, BN é, na verdade, em termos de negócios com a Europa e EstadosUnidos, Bolivian Nut. Numa surpreendente reviravolta, 77% de todas as BNs são atualmente beneficiadas e exportadas pela Bolívia, um país com muito menos recursos do que seus vizinhos. O artigo analisa o impacto da regulamentação fitossanitária da União Europeia sobre o mercado global, uma façanha conquistada pelos bolivianos. No Brasil, a burocracia aliada às dificuldades atávicas de trabalharmos em cooperativa, são algumas especulações a serem feitas para explicar o fracasso desta economia emblemática. Este é um dos temas dos DEBATES PRODUTIVOS, que se iniciam nesta terça-feira, por iniciativa da AFEAM, agência estadual de fomento, em conjunto com o Centro e Federação da Indústria e Agricultura, CIEAM, FIEAM e FAEA. A palavra de ordem é debater, identificar e propor novas modulações econômicas, nas janelas de oportunidades que o momento adverso impõe. É hora de transformar o discurso de adensamento, diversificação e interiorização dos benefícios do modelo ZFM em atitudes e soluções conjuntas.
E começar pela castanha do Brasil, da Bolívia ou do Pará significa revisitar um item emblemático da biodiversidade amazônico, domesticado pelas etnias da floresta há 15 mil anos, provavelmente. Pesquisas sobre o assunto não faltam. Desde o século passado, os anais de bioquímica do governo americano SCFinder apontam mais de 104 mil estudos sobre a Bertholethia Excelsa, a castanha dos índios da Amazônia, com patentes e descobertas sobre as propriedades nutraceuticas, terapêuticas e cosméticas, portanto de bioindústria. Há um crescente interesse na compreensão do papel fisiológico do selênio, especialmente sobre sua atuação na prevenção ou tratamento auxiliar de doenças(cognitivas, obesidade mórbida, diabetes, complicações renais), e demais evidências científicas sugeridas pela deficiência moderada de selênio associada com o aumento do risco de doenças crônicas, câncer, doenças infecciosas, infertilidade, diminuição da função imune e da tireóide. O selênio é um elemento-traço essencial para a saúde humana, no limite diário de uma castanha. Mais do que isso, em lugar de ajudar, há risco de comprometer a saúde.
Os DEBATES PRODUTIVOS começam com uma apresentação da prof.a Dra. Silvia Cozzolino, da USP, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da instituição paulista, com mais de 30 anos de pesquisas em castanha do Brasil. Ela tem atuado com pesquisadores locais para trocar dados e descobertas, e todos irão contar um pouco de suas façanhas de laboratório na direção do mercado. Com eles, Sergio e Ana Vergueiro/Moyses Israel, Malvino Salvador, Sidney Leite vão completar a exposição e turbinar os debates. Cientista não foi preparado para tirar do laboratório as respostas para a sociedade em termos de novos negócios em cima de suas pesquisas. Empreendedores não conhecem tais possibilidades e o poder público se tem posto à margem desses atores fundamentais. Superar esse impasse depende de maior aproximação entre os pesquisadores, os investidores e as necessidades da sociedade. É preciso estreitar o canal de comunicação entre estes atores. Essa aproximação se tornou emergencial pois a economia do Amazonas, baseada quase integralmente na matriz industrial das empresas instaladas na Zona Franca, exige uma definição de quais os produtos e negócios que as pesquisas do INPA, Ufam e Embrapa podem oferecer para criar novas matrizes econômicas. A decisão de inovar nasce na empresa, suas necessidades, por isso é importante criar mecanismos de interatividade para a pesquisa saber o que a indústria precisa. Fibras vegetais, polímeros, os condutores orgânicos, as proezas da química e da bioquímica, eletroquímica, para criar produtos, potencializar e rentabilizar as cadeias produtivas atuais e adensar outras. A começar pela castanha, no resgate paradigmático de seus dividendos e promessas…
(*) Alfredo é filósofo e ensaísta.