Por Marina Ito para o CONSULTOR JURÍDICO:
Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça a poucos dias de a Corte entrar em recesso, no final de 2010, pode mudar a jurisprudência de tribunais pelo país e ajudar a consolidar os benefícios da era digital para os advogados. A 3ª Turma aceitou como oficiais informações publicadas nos sites dos tribunais. Em setembro do ano passado, a Corte Especial do STJ já havia admitido documentos extraídos dos sites do Poder Judiciário como provas de que o recurso foi apresentado dentro do prazo.
No caso julgado pela Corte Especial do STJ, os ministros acompanharam o voto do ministro Luis Felipe Salomão e entenderam ser possível juntar aos autos cópia de atos do tribunal de origem, como a suspensão de prazos por conta de um feriado, para comprovar a tempestividade do recurso, ainda que o documento não esteja certificado digitalmente.
A decisão da 3ª Turma vai além, ao confirmar entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul de que as informações constantes no andamento processual disponibilizado pelo site do próprio tribunal prevalecessem sobre as da certidão do cartório. O ministro Massami Uyeda, relator do recurso no STJ e responsável pelo acórdão, ainda não publicado, disse na ocasião do julgamento que a jurisprudência do STJ de que as informações contidas em sites de tribunais são meramente informativas perdeu força depois da Lei 11.419/06, conhecida como Lei do Processo Eletrônico.
Para o ministro, com a vigência da lei, todas as informações divulgadas nos sites dos tribunais são consideradas oficiais. “Exigir-se que o advogado, para obter informações acerca do trâmite processual, tenha que se dirigir ao cartório ou tribunal seria verdadeiro contrassenso sob a ótica da Lei 11.419”, afirmou.
O advogado Eduardo Macedo, do Siqueira Castro — Advogados, acredita que a tendência é os tribunais passarem a considerar válidas as informações disponibilizadas na internet. Para ele, não tem sentido o Judiciário aderir a tantas tecnologias e não considerar as informações divulgadas pela própria Justiça. Ele lembra que não só o STJ como Tribunais de Justiça no país inteiro estão adotando o processo eletrônico. “Como o STJ vai manter o entendimento, se a única forma de obter informação será através do site do tribunal?”, questiona, referindo-se à jurisprudência dominante sobre o assunto, ou seja, de que as informações não são válidas.
“O posicionamento jurisprudencial anterior era inconcebível, uma vez que os tribunais não garantiam validade e não atribuíam credibilidade a informação produzida e veiculada por eles próprios. Tratava-se de uma ficção jurídica inaceitável, que feria frontalmente disposições específicas quanto a validade de comunicação e publicação de atos judiciais contidas na Lei 11.419”, diz a presidente da Comissão de Direito e TI da OAB do Rio, Ana Amelia Menna Barreto.
Uma rápida busca pela jurisprudência dos Tribunais de Justiça do país demonstra que a maioria dos desembargadores considera que as informações disponibilizadas através dos sites têm caráter “meramente informativo”. “As informações aqui contidas não produzem efeitos legais. Somente a publicação no DJERJ oficializa despachos e decisões e estabelece prazos” é o alerta que aparece quando um usuário consulta o andamento processual no site do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
Tal como em outros tribunais, no Rio, a matéria não é pacífica. Com todas as suas varas informatizadas há pelo menos cinco anos e iniciando com os processos eletrônicos, o TJ fluminense é considerado confiável no que diz respeito às informações disponibilizadas através do site sobre o andamento processual.
Ao se depararem com Agravos que discutem a tempestividade de recursos, depois da perda do prazo pelo advogado que confiou nas informações coletadas no site, alguns desembargadores seguem a jurisprudência dominante no STJ. É o caso da 1ª Câmara Cível que, em 2010, ao julgar um recurso de um banco, que contestava decisão que decretou sua revelia, não só negou o pedido como ainda aplicou multa por litigância de má-fé. O mesmo entendimento pode ser constatado em decisões das 4ª e 14ª Câmaras Cíveis, por exemplo, além de decisões monocráticas de desembargadores da 9ª, 10ª e 18ª.
No Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul também há muitas decisões nesse sentido. Em uma delas, o desembargador Tasso Caubi Soares Delabary, da 9ª Câmara Cível, diz que “é dever do procurador da apelante verificar a data da juntada do mandado de citação, dirigindo-se diretamente ao cartório”. Na mesma linha, já se manifestaram a 3ª, 6ª, 10ª, 11ª, 16ª, 17ª e 19ª Câmaras Cíveis e a 1ª, 2ª 3ª, 17ª Câmaras Especiais Cíveis.
Racionalidade do Judiciário
Mas também são vários os desembargadores que não compartilham desse entendimento e adotam um posicionamento bastante racional sobre a validade dessas informações. “Esse moderno meio de consulta, que veio para desafogar as filas nos cartórios e dar mais agilidade ao trabalho dos advogados, deve ser confiável, fazendo constar dados corretos. Caso contrário, tal sistema será inócuo e provocará o retorno dos advogados aos cartórios, prejudicando a tão desejada celeridade processual”, entendeu o desembargador Benedicto Abicair, da 6ª Câmara Cível, em decisão monocrática.
Outro argumento usado pelos desembargadores que aceitam os dados colhidos no site é o da economia. “O Tribunal de Justiça tem obrigação indeclinável de garantir, se não a validade da informação como intimação, pelo menos, a veracidade absoluta das informações sobre andamento processual que disponibiliza no seu site na internet, sem o que não se justificaria nem o gasto astronômico feito, nem a manutenção meramente decorativa do sistema existente”, escreveu o desembargador Mario Assis Gonçalves, da 3ª Câmara Cível, na ementa de um dos acórdãos sobre o tema. Desembargadores da 3ª, 6ª, 13ª e da própria 10ª Câmara têm decidido dessa forma, monocraticamente.
No Rio Grande do Sul, também há decisões que devolvem o prazo para a parte que se baseou nas informações do TJ para apresentar contestação. “A retirada de peças do site é fruto da modernidade e, ao meu sentir, revelar-se-ia um formalismo exacerbado exigir que a parte acoste as cópias extraídas diretamente do feito, quando disponibilizadas, de forma integral, na internet”, entendeu o desembargador Artur Arnildo Ludwig, da 6ª Câmara Cível do TJ gaúcho.
Com os mesmos termos da pesquisa para saber como os tribunais andam decidindo em relação à validade das informações nos sites das cortes, é possível constatar que um número ainda maior de desembargadores estão utilizando os sistemas para saber do que está acontecendo com o processo. É o caso de julgadores que, após consultar o site do tribunal a que pertencem, declaram o recurso prejudicado por perda de objeto, ao saber que já houve uma decisão na primeira instância.
Erro na procedência
Ao se deparar com uma situação no mínimo inusitada, a 1ª Câmara Especial Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul resolveu acatar o pedido de uma parte que encontrou uma informação errada no site do Judiciário gaúcho. No acompanhamento processual disponível na internet, a parte constatou que havia uma sentença contrária a seus interesses. Apresentou recurso, que não foi conhecido por ausência de interesse recursal, já que a decisão havia sido julgada improcedente e, portanto, a seu favor.
Não era o que constava no andamento processual, que dizia que o pedido era julgado procedente e condenava a parte a pagar diferenças de valores referente às correções monetárias, mesmo assunto objeto do processo a que respondia de fato.
“Não se desconhece o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que as informações processuais prestadas pelo site do tribunal possuem caráter meramente informativo”, afirmou a desembargadora Maria José Schmitt. “Entretanto, inegável que a disponibilização de uma sentença de procedência, com relatório, fundamentação e dispositivo perfeitamente adequados ao caso concreto, induziu em erro o embargante a interpor o recurso de apelação que, posteriormente, não foi conhecido por ausência de interesse recursal.”
Levando em consideração a peculiaridade do caso, a Câmara julgou procedente o pedido da parte, que queria a devolução das custas recolhidas no momento em que apresentou o recurso. “Mostra-se inviável que a parte seja prejudicada por equívocos do próprio órgão Judiciário”, completou.
Marina Ito é correspondente da Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.