No Brasil, as discussões sobre carga tributária são envolvidas em misteriosas tramas que conduzem a conclusões simplistas, para não falar do conteúdo emocional que se empresta às análises, justamente por força da rejeição social do tributo – fenômeno universal e atemporal.
Carga tributária é mero quociente entre a arrecadação dos tributos e o Produto Interno Bruto (PIB). Existem algumas controvérsias sobre a extensão dos tributos contabilizados na determinação da carga tributária.
Nada, contudo, que provoque divergências significativas na apuração, mormente porque o Fundo Monetário Internacional (FMI) consagrou metodologia reconhecida mundialmente.
O que importa, no caso, não é um exame perfunctório da evolução da carga tributária, mas conhecer mais aprofundadamente as causas que explicam suas variações. Por exemplo, a carga tributária somente repercutirá sobre o contribuinte idôneo quando ocorrer aumento ou redução de alíquota ou base de cálculo, ou seja, da pressão fiscal individual.
As variações da carga tributária, contudo, não se explicam apenas pela pressão fiscal. Existem inúmeras outras causas: realização de receitas atípicas, como as decorrentes de adesões a programas de parcelamentos ou conversão em renda de depósitos judiciais; alterações nas metodologias de apuração das receitas ou de quantificação do PIB; significativo descompasso no crescimento dos setores econômicos desigualmente tributados; aumento da eficiência fiscal; diferimento ou antecipação de efeitos fiscais de medidas econômicas, etc.
É, pois, muito curiosa a tendência de muitos analistas brasileiros de relatarem o aumento ou queda da carga tributária sem apontar as variáveis explicativas.
Em 2009, a arrecadação tributária caiu, em termos reais, vis-à-vis o ano anterior, sobretudo por força da retração na atividade econômica. Esse fato isoladamente não elucida, todavia, a muito provável redução na carga tributária.
Objetivamente, as perdas na arrecadação foram superiores à do PIB, por conta de algumas desonerações pontuais (IPI incidente sobre automóveis, materiais para a construção civil e eletrodomésticos) e aumento da inadimplência combinada com queda na eficiência do aparelho fiscal.
Nesse contexto, não há razão para festejar a queda na carga tributária, exceto para os eventuais beneficiários na aquisição de mercadorias desoneradas do IPI.
Ao contrário, a perda na arrecadação associada ao aumento nos gastos correntes significa aumento no endividamento público, em vista da redução do superávit primário. Mais importante que a redução da carga tributária é a diminuição da pressão fiscal.
Não há lugar a dúvidas, quanto ao tamanho desproporcional da carga tributária brasileira, quando em confronto com países em mesmo estágio de desenvolvimento.
O exame autônomo da carga tributária, entretanto, retira foco daquilo que é a principal causa de sua anômala dimensão: o montante e a evolução do gasto público. Em outras palavras, a verdadeira discussão é o tamanho e a natureza do Estado brasileiro.
Caso não venhamos a dispensar atenção ao crescimento da despesa pública, estaremos condenados a lamentar eterna e improdutivamente a carga tributária presumidamente excessiva.
Everardo Maciel é ex-Secretário da Receita Federal