BYE-BYE BIBI

Por Ribamar Bessa:

O amor ao Botafogo salvou da morte prematura o jornalista amazonense Jefferson Marques de Souza (1935-2016), o Bibi. Não fosse ele torcedor apaixonado e fiel, teria morrido aos 27 anos, no Constellation da Panair prefixo PP-PDE que caiu perto de Manaus, na madrugada do 14 de dezembro de 1962, matando todos os passageiros embarcados no Rio. Mas adiou a viagem para poder ver a final do campeonato carioca, no dia seguinte (15), no Maracanã. Valeu a pena. Garrincha endiabrado fez três gols e Manga pegou até mosquito ensebado. Botafogo 3×1 Flamengo. Com isso, Manaus conheceu as sandálias havaianas e eu ganhei cinco sobrinhos.
Uma semana depois, vivinho da silva, vestido com a camisa do bicampeão carioca, Bibi descia, glorioso, de mala e cuia, no aeroporto de Ponta Pelada, trazendo uma surpresa na bagagem. Nessa época, ninguém em Manaus conhecia chinelo de dedo. Ninguém. Os playboys locais, incluindo o Inezildo, só usavam alpercata-de-arigó feita de pneu usado. Tudo mudou quando Bibi desfilou pelos becos do bairro de Aparecida com a novidade nos pés: uma sandália havaiana azul, leve e confortável, que acabava de ser inventada com o nome de “sandália japonesa”.
Embora o polêmico radioeletricista Inezildo Bate-Papo reivindique para si a façanha, testemunhas fidedignas garantem que foi o Bibi quem introduziu no Amazonas as havaianas até então desconhecidas dos 175 mil habitantes de Manaus. Ele apareceu com elas na banca de verdura da Nilza, em frente ao Grupo Escolar Cônego Azevedo, no natal de 1962, ao lado de sua mãe Otávia, dona Dondon, que calçava outro par. O bairro fascinado, magnetizado, caiu aos pés do jornalista. Ninguém me contou, eu vi com esses olhos que a terra há de roer.
O radialista
As pessoas pediam para ver e sentir a textura daquela sandália. Queriam comprar uma, mas não encontravam nem na Harrods Baré – a  Sapataria Onça, “os melhores calçados do Brasil”, nem sequer na nossa Galeries Lafayette – a Casa Tem-Tem, “a casa do pobre e do rico também”. Só meses depois é que chegariam os ambulantes em kombis estacionando nos pontos de venda anunciados pelas rádios. Ninguém podia ver a propaganda da marca, que não era nada fashion, feita pelo personagem Didi Mocó com quem, aliás, Bibi parecia fisicamente porque a cidade ainda não tinha televisão.

O introdutor das havaianas no Amazonas, o Bibi – ouviu Inezildo? – fez de tudo na vida. Combateu os mosquitos da malária como funcionário da SUCAM, mas considerando sua experiência de repórter na Agência de Notícias Asapress, no Rio, foi contratado pela Rádio Rio-Mar como cronista esportivo para comentar os lances dos jogos do campeonato amazonense. Criativo, engenhoso, inventou bordões e metáforas, que tinham mais charme ainda porque ele caprichava no chiado do sotaque carioca adquirido nos anos em que morou no quartinho em Laranjeiras cedido pela amiga Rute Freire Borges.
Por anos a fio, Bibi colaborou voluntariamente com a paróquia no “Serviço de Amplificação a Voz Quermesse de Aparecida”, lendo os telegramas no ar e os anúncios comerciais. As meninas suspiravam ao ouvi-lo: “Vai casar? O seu problema é móvel? Procure o Mundo dosch Móveissch, de Antônio M. Henriquessch”. Ele dizia, de pura sacanagem, que envolveu três irmãs minhas. Deu em cima da Teca, a Dile é que estava afinzona, mas quem acabou se aproveitando foi a Helena, com quem se casou, nos dando cinco sobrinhos: Paulo, Sérgio, Mauro, Ana Paula e Luciana.
No jornal A Crítica, Bibi atuou como repórter da editoria de Esportes comandada por Belmiro Vianez. Cobriu o jogo da Seleção Brasileira 4 x 1 Seleção do Amazonas, em abril de 1970, no Vivaldão, e aproveitou para tirar uma foto histórica do seu filho de 5 anos no colo do Pelé. Criou a primeira revista esportiva mensal do Amazonas – A Bola – com Manuel Muniz, Haroldo Furtado e outros.
Big Fish
A Bola, porém, não rolou muito tempo. Bibi fez o curso de Estudos Sociais, em Tefé, num convênio com a Universidade Federal de Juiz de Fora. De lá, saiu como professor da rede estadual de ensino. Polifacético, deu aulas de história, geografia, português e até de inglês, embora nunca tenha adquirido a fluência de seu filho, com quem teve aulas, mas seu inglês de Joel Santana deu para substituir por um semestre o teacher que se aposentara. Good morning, students, the book is on the table.
Foi justamente o table soccer ou button soccer que consumiu suas energias de aposentado. Fundou a Associação Manauara de Futebol de Mesa (FAFM), organizou campeonatos, participou de torneios nacionais, conquistou títulos. O atual presidente da FAFM, Marcos Oliveira, em nota de pesar, anunciou a realização em outubro do corrente do torneio Jefferson Marques de Futebol de Mesa, destacando seu papel na difusão da prática do jogo de botão no Amazonas.
Bibi era um gozador. No humor, era rápido no gatilho. Tinha o dom de contar histórias, misturando expressamente realidade com fantasia, como o velho Ed, do filme Big Fish com quem o filho se concilia no leito de morte. O interlocutor que se virasse para separar o joio do trigo. Foi assim que um dia, no Parque Dez, ele me contou essa história do acidente aéreo. Nunca mais a repetiu. Pensei que era mais uma de suas armadilhas. Mas agora, para escrever essas linhas, fui no Google e descobri, assustado, que o Botafogo foi bicampeão no dia seguinte à tragédia com o PP-PDE. Será?
Ele foi enterrado nesta quinta-feira (2) no cemitério São João Batista, vestindo a camisa do Botafogo e com a bandeira da Estrela Solitária sobre o caixão. Com o radialista Bibi se vai um pedaço da Manaus da era do Rádio, dos jingles, um dos quais ele gostava de cantar:
A gente pensa que ao nascer do dia, / o galo canta pra saudar o sol / Mas quando canta o galo diz somente / se eu tivesse dente / só usava eucalol.
Foi impecável como pai, avô e cunhado. Os filhos saudosos, a viúva, os sobrinhos, os netos e netas, choraram sua partida. A missa de sétimo dia será na igreja de Aparecida, às 18h30, nesta segunda (6). Lembro que ele recortava e arquivava as crônicas dominicais publicadas neste Diário do Amazonas e que certamente aprovaria, com humor, o esclarecimento sobre as sandálias havaianas. Inezildo, não precisa Temer nem tergiversar, foi golpe sim, ouviu?
P.S.- Fotos de Sérgio Souza, entre outros.
Ouça o jingle eucalol: https://www.youtube.com/watch?v=h6NCfLQ33XY