Tem toda a razão o diretor geral da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, José Geraldo Machado, ao recomendar que “ se o servidor quiser paz não deve aceitar cargo que implique ser “ordenador de despesas”. Pois esse será refém de seus atos pelo resto da vida”. Por conta disso daqui a pouco a administração pública vai se inviabilizar. Ninguém que seja de boa fé vai querer ter sua vida importunada até a morte.
Serafim Corrêa
Por Ascânio Seleme, em O GLOBO
Apesar de ter servido sob o comando de Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi, que cumprem penas de prisão por corrupção, nenhuma dúvida paira sobre a qualidade da gestão do diretor-geral da Assembleia Legislativa do Rio, José Geraldo Machado. Foi ele quem recepcionou os 36 novos deputados estaduais que assumem no dia 1º de fevereiro. Machado deu a cada um deles uma cópia do “Breviário de máximas da administração pública ou Por que as coisas demoram tanto”.
O livrinho escrito pelo próprio diretor da Alerj tem 48 páginas e elenca 38 pontos que servem como guia para os novos deputados que começam a lidar pela primeira vez com a tal coisa pública. José Geraldo Machado também incluiu no Breviário duas fábulas, aparentemente criadas por ele mesmo, para ajudar a clarear o caminho dos novatos. Além de instrutivo e rigoroso nas recomendações que faz, o Breviário é um documento de fácil leitura e divertido. Uma pérola difícil de encontrar nesse mar revolto que machuca até mesmo as rochas mais duras.
A primeira fábula conta a história de Absalão, a quem Deus encomendou a construção de um barco para escapar de um dilúvio que provocaria sobre a terra. Absalão chamou o carpinteiro Noel e repassou a ordem. Mas ao ouvir de Noel o pedido de dez auxiliares de carpintaria, Absalão contratou uma equipe para fazer a seleção. Depois outra para comprar a madeira, e mais uma para cuidar da questão administrativa, e ainda outra para fiscalizar as demais. Enfim, criou uma barafunda burocrática tão grande que acabou não realizando a tarefa no prazo pedido por Deus.
Na outra fábula, uma pessoa come um pernil na casa de uma amiga e ao sair pede a receita. A amiga diz que tempera o pernil com vinho tinto, ervas finas, sal e alho, depois corta as duas pontas e o leva ao forno. O comensal pergunta por que cortar as duas pontas. A dona da casa diz que aprendeu assim com sua mãe. A mãe diz que aprendeu com a avó da filha. A avó, sentadinha num canto, explica: “Eu cortava porque o forno era pequeno, hoje, com esses fornos grandes, não precisa cortar”. Segundo Machado, os novos deputados vão encontrar muitos pernis com as pontas cortadas na administração pública.
E aqui alguns dos pontos mais interessantes do Breviário de Máximas.
1 – No serviço público, tudo que estiver em processo bem instruído, tem 50% de chances de acontecer em um prazo nunca inferior a um ano. O que não estiver não tem chance alguma.
2 – Os fornecedores podem fazer tudo o que a lei não proíbe. O gestor público apenas pode fazer o que a lei permite. Parte da ineficiência do serviço público nasce daí, já que a lei não pode prever tudo.
3 – O calendário do serviço público não tem 365 dias. Tem no máximo 245, sendo que os 45 primeiros dias do ano são prejudicados porque não estará pronto o Quadro de Detalhamento de Despesas do Orçamento.
4 – O administrador não pode confundir o que é legal com o que é legítimo. Embora um pleito seja legítimo, justo e urgente, o Tribunal de Contas, às vezes até 15 anos depois do evento, vai julgar e condenar unicamente à luz da legalidade.
5 – Considerando que ninguém sabe tudo, o gestor deve procurar quem sabe. É melhor um bom talento autodidata do que um bacharel sem talento.
6 – Um gestor só terá pleno sucesso se passar dois anos antes de assumir o cargo montando sua equipe.
7 – O administrador não pode se iludir com os valores do orçamento. A receita orçamentária é sempre inferior à da arrecadação.
8 – Independentemente de feriados e pontos facultativos, a semana do serviço público termina sempre na quinta-feira.
9 – Muita atenção com os convênios com Banco do Brasil, Caixa e BNDES. É preciso ser fluente em seus dialetos.
10 – O mais importante será sempre a informática. Se ela pifar, em alguns casos a impressora é mais importante que a retroescavadeira.
11 – O servidor não pode viajar às custas do setor privado; inventar congressos e reuniões no exterior; receber presentes de mais de R$ 100; manter vida social com fornecedores; e usar códigos em telefones ou em qualquer outra forma de comunicação. Só o fato de precisar de códigos já levanta dúvidas.
Finalmente, o Breviário informa que se o servidor quiser paz não deve aceitar cargo que implique ser “ordenador de despesas”. Pois esse será refém de seus atos pelo resto da vida.