Parece que finalmente alcançamos os tempos de “consciência financeira” do cidadão sobre as repercussões das despesas públicas no seio social e as demandas de tributos para tantas carências. Chegados aos 18 anos de vigência da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF, é sintomático que tenhamos atingido alguma maturidade no trato da coisa pública e na necessária valorização do orçamento público.
O brasileiro percebeu, enfim, que é possível superar o patrimonialismo e seus males, como a corrupção e a sonegação de tributos, que drenam para bolsos privados os recursos que se deveriam destinar a fins públicos. Mas não só. Percebeu que a escolha dos políticos é decisiva para seu destino e como as escolhas públicas (public choices) operadas pelos representantes eleitos repercutem nas suas vidas.
O patrimônio público é drenado também por muitos custos lícitos, resultado de duvidosas escolhas públicas ou erros históricos, dos mais trágicos, sobre os quais resta uma sensação de impotência sobre como seja possível assegurar a prevalência da Constituição sobre qualquer outro tipo de preferência política casuística.
O Brasil precisa se reencontrar com o futuro. Deixar que a Justiça cuide do passado. Cabe à política voltar às discussões de uma agenda positiva. Para emergirmos desse estado de crise, precisaremos ainda evoluir em diversos aspectos. E aqui vale rever um pouco dos números que são indicativos da crise da atividade financeira do Estado.
O PIB do Brasil de 2017 foi de 6,3 trilhões de reais, ou US$ 1,85 trilhão. Para saber aonde estamos, basta pensar que em 2016 o PIB da Alemanha foi de US$ 3,47 trilhões; o da China foi de US$ 13,8 trilhões; e o dos EUA, US$ 17,9 trilhões.
A Lei Orçamentária Anual para 2018 trouxe como valor total de gastos a soma de R$ 3,57 trilhões, sendo que R$ 1,16 trilhão se destinam ao refinanciamento da dívida pública. Sobram cerca de R$ 2,42 trilhões, dos quais apenas R$ 112,9 bilhões são destinados aos investimentos públicos.
A Previdência Social consome R$ 585 bilhões de gastos. Se a União não tem recursos suficientes, recorre ao crédito público, com oferta de títulos e outras obrigações.
Atualmente, a dívida pública geral brasileira atingiu 74,4% do PIB no início de 2018, e fechou 2017 na ordem de R$ 4,86 trilhões. Só para que se tenha uma ideia, do total de vencimentos da DPMFi (Dívida Pública interna), R$ 434 bilhões correspondem ao principal e R$ 183,3 bilhões aos juros! Falta maior transparência sobre os contratos, as decisões de vendas dos títulos públicos ou mesmo a vergonhosa dimensão dos juros reais no país.
Quanto ao gasto fiscal com incentivos, está na ordem de 285 bilhões de reais, dos quais o Simples Nacional conta com R$ 83 bilhões do volume global, e a Zona Franca de Manaus com R$ 25,6 bilhões, e R$ 126 bilhões referem-se ao IR e IPI. Somem-se a estes os R$ 84,3 bilhões de subsídios, com benefícios financeiros e creditícios.
No campo das receitas, chega o momento no qual o sistema tributário atinge seu esgotamento ou assume relevante complexidade, o que impõe necessárias mudanças.
A perda de receitas, e a invisível perda de investimentos novos, pelo péssimo sistema tributário em vigor, dificulta enormemente a melhoria da capacidade de financiamento do Estado, a exigir alguma reforma tributária.
O Brasil não pode adiar o início de uma reforma tributária da simplificação, que poderá ser feita por leis ordinárias ou complementares, sem precisar de intervenções constitucionais. Só isso já permitiria grandes avanços nas relações entre Fisco e contribuintes, na melhoria do ambiente de negócios, bem como a retomada urgente do desenvolvimento nacional.
A demora daquela percepção da cidadania fiscal sobre todos esses dados deve-se, em muito, à opacidade que o modelo burocrático da gestão dos orçamentos, dos controles de tribunais de contas dominados pela política, desprovidos de procedimento uniforme. A LRF não opera sozinha. Ela depende de muitas instituições.
Dizia Nelson Rodrigues: “subdesenvolvimento não se improvisa. É obra de séculos.” No caso do Brasil, é o resultado de toda a história patrimonialista e oligárquica que sempre presidiu os interesses políticos e econômicos, mas também de gestões públicas desastrosas e desprovidas de adequado controle democrático.
Crise financeira e orçamentária combate-se com rigor de responsabilidade fiscal, reformas responsáveis, com medidas de fortalecimento da confiança nos meios de produção e na livre iniciativa, redução do endividamento público, mas tudo com respeito à Constituição. Nos tempos de crise, afirmar a Constituição deve ser postulado como um “direito de resistência”. E a oportunidade de exaltarmos os 18 anos da LRF é parte desse direito de resistência contra tantos males financeiros. Miremos o futuro.