Por Demóstenes Torres
Até o final dos anos 1990, o País era muro das lamentações das duas décadas anteriores perdidas em inflação alta, baixo investimento produtivo e escasso crescimento econômico. Hoje, a emergência do Brasil indica sentimento inverso de otimismo imoderado, com manifestações de arrogância sardônica, como se notou à reação do ministro da Economia a respeito das preocupações do Fundo Monetário Internacional com a deterioração das contas públicas.
O sucesso político adquirido pelo atual projeto de governo parece confundir o alto escalão da República sobre as conquistas imaginárias do Brasil Grande apregoadas na Era Lula e o País real, que precisa de inúmeros ajustes e reformas para confirmar a prosperidade duradoura e a afirmação positiva no grupo de nações que batem o martelo no centro decisório global.
Na verdade, falta a definição da Marca Brasil, assim entendido algo que ultrapasse o kit feijoada que sempre nos identificou, composto da junção de comidas quentes, do molejo extraordinário dos quadris da mulata e do samba no pé. Não que devamos renunciar à nossa tradição cultural, mas agregar ao poder do PIB emergente valores como a competitividade, a inovação, o ambiente favorável aos negócios, a eco-eficiência e por aí vai.
O objetivo é construir a tropicalidade responsável, a partir da criação de uma imagem que projete o Brasil realmente como o País que conseguiu ensinar ao mundo que por intermédio da democracia é possível eliminar a pobreza, reverter os indicadores negativos da educação e se posicionar na vanguarda tecnológica, a exemplo do que fez com o futebol.
O País sempre foi submetido a muitos planos e quase nenhum planejamento ao longo da história que transcorreu no pós-regime militar. O último deles foi fruto de uma encomenda da Presidência da República, anunciado em novembro do ano passado sob o pomposo título de Brasil 2022. A data se refere à consagração do Bicentenário da Independência, quando se imagina que o “Brasil será um Estado mais soberano e cada vez mais democrático; uma sociedade mais justa e progressista; um País em acelerado desenvolvimento sustentável”.
Perfeitamente, enquanto carta de princípios, o documento traz os requisitos que entendo necessários para a construção da nova Marca Brasil, ainda que em muitas passagens contenha algumas ilusões sociológicas, a exemplo da ideia de que “a influência do poder econômico sobre o sistema político terá sido extirpada, de modo a garantir a realidade do princípio democrático de um cidadão, um voto.”
Há metas muito interessantes que o País pode alcançar não digo em uma década, mas a prazo um pouco mais estendido como crescer a 7% ao ano, aumentar a taxa de investimento a 25% do PIB e reduzir a inflação ao nível médio das nações emergentes. O documento fala em “construir uma nova arquitetura institucional do gasto público”, quando poderia ser menos prolixo ao recomendar o cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal. Um aspecto importante é a previsão de setuplicar as exportações de produtos de média e alta tecnologia e alcançar 5% da produção científica mundial a partir do dispêndio de 2,5% do PIB em Pesquisa e Desenvolvimento.
Por outro lado, em vez de mencionar a necessidade de políticas de segurança pública, o documento é evasivo ao dizer que “uma sociedade mais justa será o Brasil, em 2022, em que a violência e os atentados à vida e à propriedade terão se reduzido, extraordinariamente, de tal forma que todos os brasileiros se sentirão seguros em seus lares e nas ruas de suas cidades.” Fala, sem dizer de que maneira, em reduzir pela metade o tráfico e o consumo de drogas, bem como o número de homicídios, além do “monitoramento integral” das fronteiras terrestres, das águas jurisdicionais e do espaço aéreo.
Acredito muito no momento do País e hipoteco grande confiança na capacidade de realização do Senado para que sejam conferidos os estatutos legais de que necessitamos para construir a nova Marca Brasil. Por enquanto, a imagem é do traficante no comando, em um ambiente regado a esgoto a céu aberto, onde se desenvolvem gênios do futebol e todo ano é realizado o maior espetáculo da terra, que fica mais confortável se assistido na televisão por conta das patacoadas nos aeroportos e os cotidianos arrastões.
Demóstenes Torres é procurador de Justiça e senador (DEM-GO)