O Banco Central (BC) quer criar um sistema de transferências e pagamentos instantâneos, para que as operações sejam realizadas todos os dias, inclusive nos fins de semana e feriados, a qualquer hora. Estudos preliminares indicaram que essas transações levarão apenas 20 segundos para serem concluídas, mas ainda não há prazo para que o serviço entre em funcionamento.
Para fazer compras no Brasil, os consumidores precisam pagar em dinheiro, usar cartões ou quitar boletos. Transferências de recursos entre pessoas ou empresas, com contas em diferentes bancos, têm limite de horário.
Além disso, os custos dessas operações dependem dos pacotes de serviços contratados. Variam de R$ 2,30 a R$ 143,25, conforme dados do BC. Atualmente, os recursos de uma transferência são depositados no mesmo dia somente quando a transação ocorre entre 6h30 e 17h, de segunda a sexta-feira.
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Nos fins de semana e feriados, as transações são realizadas apenas por clientes com contas na mesma instituição financeira. Entre contas de diferentes bancos, os recursos são depositados apenas no primeiro dia útil posterior.
Transações serão feitas entre pessoas, empresas e governo
Pela proposta em debate, os recursos serão transferidos entre contas correntes, de pagamento ou poupança, com um custo menor. O valor das operações, entretanto, ainda não está definido.
Essas transações serão feitas entre consumidores, empresas e órgãos públicos. Os consumidores pagarão taxas e impostos para o governo, além de receberem benefícios e salários. Os empresários também quitarão os tributos por meio do novo serviço.
O BC estuda oferecer esses serviços aos clientes por meio dos celulares, computadores e outros canais de atendimento. O grupo de trabalho tem até novembro para apresentar para a diretoria colegiada uma proposta de regulamentação.
Entretanto, não há prazos para que a decisão seja tomada e o serviço entre em funcionamento.
Medida pode reduzir tarifas cobradas de lojistas
Com a aprovação da medida, consumidores e comerciantes terão mais uma ferramenta para fazer e receber pagamentos. Atualmente, os lojistas recebem os recursos das compras feitas no cartão de débito no dia seguinte à operação. E no crédito, após 28 dias. Com a nova regulamentação, o pagamento será instantâneo.
Na avaliação do BC, a medida tem potencial para reduzir o uso de cédulas e os custos das transferências tradicionais para os clientes. No caso dos lojistas, a expectativa é de redução do tempo de espera para receber os repasses dos meios de pagamento e de queda nas tarifas cobradas pelos serviços.
Dados da Abecs (Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços) revelam que os gastos com cartões representaram 34% do consumo das famílias no primeiro semestre de 2018. Os outros 66% estão relacionados a pagamentos em dinheiro, cheque e demais transferências.
Além disso, a entidade informou que as taxas médias de desconto no cartão de crédito cobradas dos lojistas pelos credenciadores chegaram a 2,53%. No débito, foi 1,4%. Para especialistas, os pagamentos instantâneos podem reduzir ainda mais essas tarifas.
Serviço trará mais concorrência para o mercado de cartões
Na avaliação de Ricardo Anhesini, sócio-líder de Serviços Financeiros da KPMG no Brasil, o novo sistema depende de regulação, conexões entre os participantes do mercado, segurança e de uma infraestrutura para tráfego intenso de dados.
“Para dar certo, os pagamentos instantâneos dependem da tecnologia e da aceitação dos consumidores. A transformação ocorre porque o cliente está inconformado e quer uma experiência melhor. Isso estimula a inovação”, disse.
Anhesini ainda afirmou que o serviço pode trazer mais competição para o mercado de pagamentos e tem potencial para reduzir as taxas cobradas pelas empresas de cartões dos lojistas. “A criação do pagamento instantâneo é interessante para o consumidor e para o lojista”, informou.
Pagamentos instantâneos são uma realidade no mundo
Os serviços de pagamentos instantâneos funcionam na China, Índia, Austrália, Estados Unidos e União Europeia. Na América do Sul, o Chile possui o serviço. Segundo relatório da FIS, companhia norte-americana de tecnologia financeira, são feitas, em média, um milhão de transações por dia no país. Com isso, são transferidos, em média, US$ 1,1 bilhão.
O documento também detalhou que a Índia possui, desde 2010, o melhor sistema de pagamentos instantâneos público do mundo. O volume diário de transações no país subiu de 2 milhões por dia no ano passado para 2,8 milhões em 2018. Uma alta de 40%.
Na China, os pagamentos instantâneos foram popularizados por meio de QR Codes, um sistema de código, semelhante ao código de barras, que pode ser lido pela câmera do celular. Somente as empresas de tecnologia WeChat e Alipay movimentaram US$ 3 trilhões em 2016 com o serviço, conforme relatório da “Better Than Cash Alliance”, entidade ligada à Organização das Nações Unidas (ONU).
Segurança e praticidade para atender consumidores
Na avaliação de José Luís Rodrigues, conselheiro da ABFintechs (Associação Brasileira de Fintechs), o BC criará esse sistema para conectar bancos, startups, contas de pagamentos e empresas de cartões e meios de pagamento.
Com isso, afirmou Rodrigues, reduzirá custos e trará uma nova experiência para o cliente. “O BC está fazendo a análise das propostas para submeter um parecer para a diretoria colegiada. A medida também trará mais segurança para os brasileiros que reduzirão o uso de cédulas”, disse.
Percival Jatoba, coordenador do grupo de trabalho de pagamentos instantâneos da Abecs, afirmou que a entidade tem feito discussões técnicas para criar soluções compatíveis com a indústria de cartões.
Segundo ele, o trabalho é baseado nos conceitos de conexão entre todos os participantes, segurança e que o serviço seja inclusivo para a população. “O celular assume um papel de protagonismo porque será o dispositivo usado para a maioria das transações”, disse.
Procurada, a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) afirmou que a entidade e os bancos associados foram convidados para trabalhar em conjunto com o BC na análise de modelos de transferência de recursos. Entretanto, o tema ainda está em discussão, e não há prazo para conclusão do trabalho.
Bradesco, Itaú Unibanco, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Santander não quiseram se manifestar sobre o assunto.