Por Sandro Vaia
Além de ser o pior regime do mundo, com exceção de todos os outros, a democracia tem a vantagem de proporcionar alguns espetáculos de surrealismo político que podem torná-la impagável também no ramo do entretenimento.
Foi o que aconteceu na última quarta feira,quando a Câmara Federal votou o valor do salário mínimo que passará a vigorar a partir de março.Como se usássemos um par de óculos de grau com as lentes ao contrário, vimos as imagens que inverteram toda a lógica política que o nosso consciente e o nosso inconsciente armazenaram durante os anos de vigência do regime democrático implantado depois da queda da ditadura militar.
De um lado, a turma da responsabilidade fiscal, zeladora e guardiã tradicional das contas públicas,apoiada pelas galerias repletas de sindicalistas, exigindo um salário mínimo de 560 (na hipótese mais light) ou 600 reais (na hipótese mais hard ).Um custo adicional de R$ 4,5 bilhões para os cofres públicos na primeira hipótese,ou de R$ 16,5 bilhões na segunda.Para quem está às voltas com a necessidade de um corte orçamentário de 50 bilhões, duas pancadas e tanto.
Do outro lado,a turma dos progressistas,dos generosos gastos sociais, (muitos dos quais aparecem numa foto arcana, ridicularizando um salário mínimo proposto pelo governo de FHC, fazendo um sinal de tamanho irrisório entre o polegar e indicador) , defendendo com toda a garra um salário mínimo de 545 reais que, em vez de repor perdas inflacionárias, ainda fica devendo algo como 1,3% para empatar com a inflação.
Para coroar a obra, os sindicalistas das galerias vaiaram o seu par Vicentinho, relator da proposta do governo, e aplaudiram,entre outros, Ronaldo Caiado e Onix Lorenzetti, notórios reacionários e inimigos históricos da classe trabalhadora.
Mas onde estamos?
Estamos no Brasil e essas são as contradições e paradoxos da democracia: a esquerda, puxando sua fileira de aliados fisiológicos, partidos- vagões- de -carga lotados de benesses e cargos, defendendo a austeridade fiscal, e o centro e a direita, tentando desesperadamente pescar votos no lago populista, defendendo a gastança que depois condenarão em seus discursos.
Isso significa simplesmente que a política no Brasil não é feita para ser levada a sério e que ninguém tem bandeiras, princípios e nem convicções. E no meio dessa farra toda, enquanto a oposição se inebriava com os aplausos das galerias, o governo,além de vencer tranquilamente com sua proposta de 545 reais, fazia passar no meio das pernas de todo mundo, a decisão (inconstitucional) de que nos próximos três anos, o valor do salário mínimo será fixado por decreto e o Congresso não terá sequer a chance de encenar outra pantomima como essa.
Ou seja: Dilma venceu o primeiro assalto e já garantiu os próximos três.Barba,cabelo e bigode.
Sandro Vaia é jornalista. Foi repórter, redator e editor do Jornal da Tarde, diretor de Redação da revista Afinal, diretor de Informação da Agência Estado e diretor de Redação de “O Estado de S.Paulo”. É autor do livro “A Ilha Roubada”, (editora Barcarolla) sobre a blogueira cubana Yoani Sanchez.. E.mail: svaia@uol.com.br