Por HÉLIO SCHWARTSMAN, articulista da Folha:
Para que servem as Assembleias Legislativas? Essa é uma boa pergunta.
Em teoria, o Brasil é uma República Federativa, o que significa que o poder é constitucionalmente repartido entre uma autoridade central (a União) e as unidades políticas que a compõem (os Estados). A Carta de 88 incluiu os municípios nesse bolo.
O problema, como veremos, é que o federalismo brasileiro é meio atípico.
De um modo geral, Federações surgem quando entidades políticas preexistentes decidem juntar-se para um propósito comum. Foi bem esse o caso dos EUA, quando as 13 colônias originais se uniram em 1776 para combater o poder imperial inglês.
Elas tiveram a clarividência de já iniciar sua união estabelecendo limites para a atuação do governo federal, graças a que os Estados norte-americanos gozam até hoje de bastante autonomia.
No Brasil, que desde a origem era governado de forma centralizada pelos portugueses, o próprio federalismo foi estabelecido por decreto presidencial, após o golpe que derrubou a Monarquia em 1889. O sistema federativo foi referendado pela Constituição de 1891, mas as distorções que fazem a balança pesar em favor do governo central jamais desapareceram.
O quadro fica claro na Carta de 1988. O artigo 22 reza: “Compete privativamente à União legislar sobre:”. Seguem-se 29 incisos que resumem quase tudo que é importante, de todas as áreas do Direito à seguridade social, passando pelos pontos centrais da economia.
A Constituição não estabelece competências exclusivas para as Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais. Dá-lhes apenas o direito de legislar, e em concorrência com a União, sobre temas menos candentes, como orçamento, serviços forenses, caça e pesca etc. (art. 24).
O resultado é uma Federação desequilibrada. De um lado, o governo central, pelo qual passam todas as decisões importantes e sobre o qual recaem todos os holofotes. De outro, as Assembleias e Câmaras. Elas compõem duas estruturas completas que se superpõem e têm pouco espaço para atuar.
Exceto por peças específicas, como planos diretores e orçamentos, os legisladores locais dedicam-se a tarefas como batizar logradouros e propor datas comemorativas. Exatamente por isso, ficam sob vigilância reduzida.
Publicado originariamente na FOLHA DE SÃO PAULO.
A anomalia do federalismo brasileiro cresce com a inclusão dos Municípios no conjunto dos entes políticos federados. E onde está a representação municipal na formação do Poder Central?
Esse modelo centrífugo de federalismo denuncia um disfarce de descentralização, onde o Poder Central continua hegemônico.
A bem da verdade, a realidade política brasileira melhor se identifica com o modelo Regional de Estado, onde o Poder Central descentraliza e retoma qualquer competência, consoante suas próprias conveniências.
Dentre outros efeitos desse perfil político, o cidadão perde essa qualidade e assume o papel de súdito.