A guerra fiscal foi iniciada por estados pobres objetivando atrair investimentos que em função das condições de infraestrutura normalmente iriam para São Paulo. Com o passar do tempo revelou-se uma guerra fratricida onde todos perdem. São Paulo sempre foi ao STF contra as leis estaduais que concediam incentivos de ICMS, inclusive as nossas, que tem amparo constitucional e legal (LC 24/75).
Em 2017, mediado pelo STF, foi feito um grande acordo entre os estados para acabar com a guerra fiscal. Esse acordo chama-se Lei Complementar 160/2017.
O Amazonas, numa ação equivocada que já custou R$ 3.000.000,00 só de honorários pagos pelo Estado ao Dr. Ives Gandra, advogado paulistano, arguiu a inconstitucionalidade dessa lei através de uma ADI no STF. Foi um grande equívoco do então governador.
De uma ADI, como é sabido, não se pode desistir e , por isso, temos hoje a antipatia dos demais estados. E a ADI não está nem na pauta.
Como se não faltasse nada, para tumultuar mais ainda a relação federativa, agora São Paulo resolveu entrar na guerra fiscal e, por óbvio, esmagando os demais estados.
Começou reduzindo o ICMS da gasolina de aviação, para atrair mais voos para seus aeroportos, em detrimento dos demais. E agora passou a incentivar o setor automotivo.
O interessante é que o grande acordo da LC 160/2017 foi costurado pelo Ministro da Fazenda do Governo Temer, Henrique Meireles. Esse era, segundo ele, o primeiro passo para a reforma tributária. Agora, Meireles como Secretário de Fazenda de São Paulo esquece tudo o que disse dois anos atrás e lidera essa nova fase da guerra fiscal.
Difícil entender o Brasil.
Serafim Corrêa
Incentivos à indústria paulista podem levar a guerra fiscal entre estados
Para especialistas, pressão sobre governo Dória por redução de imposto pode fazer Rio perder investimentos
De O GLOBO, por João Sorima Neto:
Fábrica de caminhões da Ford em São Bernardo do Campo Foto: Divulgação
SÃO PAULO – Num cenário de crise fiscal em que os governos estaduais com as contas no vermelho tentam reduzir ao máximo os benefícios fiscais concedidos a diferentes setores da economia, o centro industrial mais importante do país testa o liberalismo do governador de São Paulo, João Doria (PSDB). Diversos setores pressionam o governo paulista por descontos em impostos, especialmente o ICMS — e alguns deles já tiveram êxito, como o automotivo e de aviação. Nesta sexta, o governo de São Paulo anunciou que vai conceder desconto de até 25% no ICMS em novos investimentos de montadoras .
Para especialistas, esses pedidos podem desencadear uma guerra fiscal pela redução de impostos, além de tirar novos investimentos de estados com as contas públicas muito ruins, como o Rio de Janeiro, que está em Regime de Recuperação Fiscal (RRF), programa federal que exige medidas de ajuste fiscal em troca de alívio no pagamento nas dívidas com a União.
— Se todos os estados começarem a reduzir a alíquota de ICMS ou conceder descontos neste imposto teremos uma guerra fiscal. O resultado de curto prazo é queda de arrecadação, e todos os estados envolvidos ficam com as contas ainda piores, além de alguns perderem investimentos — afirma Ana Carla Abrão, sócia da área de Finanças, Risco e Políticas Públicas da consultoria em gestão Oliver Wyman.
A política de conceder benefícios fiscais surgiu como uma estratégia de estados menos industrializados para atrair investimentos. Para os especialistas, trata-se de uma prática de barganha ruim, e virou uma espécie de leilão, em que as empresas se instalam em regiões onde houver mais benefícios. A Ford, por exemplo, que vai fechar de sua unidade de caminhões e dos veículos Fiesta, em São Bernardo do Campo, São Paulo, este ano, prefere continuar produzindo veículos na Bahia onde tem mais benefícios fiscais.
No caso de São Paulo, mesmo tendo uma dívida elevada, de R$ 300 bilhões, o estado ainda é superávitário e tem espaço fiscal para beneficiar alguns setores, diz Fabio Klein, especialista em contas públicas da consultoria Tendências. Mas o especialista também aponta o risco da criação de um “ciclo vicioso” causando a chiadeira de outros setores, além de reação de outros estados.
— São Paulo é uma potência arrecadatória. Gerou superávit primário de R$ 12,1 bilhões em 2018. Portanto, pode adotar essa lógica de conceder benefícios fiscais. Mas essa prática traz o risco de desencadear uma guerra fiscal entre os estados pelo ICMS e prejudicar aqueles que estão com as contas ruins, como o Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais — diz Klein, lembrando que além de reduzir arrecadação, estes estados podem perder novos investimentos porque não têm espaço fiscal para conceder benefícios fiscais atraentes para novas empresas.
O setor de aviação conseguiu do governo paulista, no mês passado, uma redução no ICMS que incide sobre o querosene de aviação de 25% para 12%. A renúncia fiscal estimada pelo governo é de R$ 205 milhões por ano, mas as empresas se comprometeram a ampliar em pelo menos 490 o número de novos voos semanais em São Paulo.
Na mesma semana que Doria anunciou o corte no ICMS do querosene de aviação, o estado do Tocantins também reduziu as alíquotas de ICMS cobradas sobre a venda de combustível de aviação, enquanto o Rio de Janeiro anunciou que estuda tomar medida semelhante. No caso do Tocantins, as alíquotas caíram de 14% para um percentual que pode variar entre 3% e 7%, dependendo de a empresa ter rotas para outros estados e do número de cidades atendidas dentro do Tocantins.
O sindicato dos têxteis e de confecções também obteve a manutenção da alíquota zero de ICMS para seus produtos no estado de São Paulo.
— Essa alíquota já estava zerada no governo anterior e obtivemos a manutenção. Essa medida mostrou que há redução da informalidade no setor e ganho de competitividade em relação a outros estados — diz Luiz Arthur Pacheco, presidente do Sinditêxtil, sindicato que representa o setor têxtil e de confecções.
O setor farmacêutico observa que muitas indústrias instaladas em São Paulo estão migrando para Minas Gerais, onde o ICMS é mais baixo, e o Sindusfarma, sindicato que representa os fabricantes, também quer abrir discussões com o governador Doria sobre redução do tributo.
O empresário brasileiro se acostumou a reivindicar benefícios fiscais — e ser atendido pelos diferentes governos estaduais e federais sem que se façam contas precisas do impacto que essa renúncia causa aos cofres públicos, observa Ana Carla Abrão.
Para ela, a concessão desses incentivos tributários, sem que haja uma discussão mais profunda das perdas de curto prazo para os governos, mas com possível aumento de arrecadação no longo prazo, via redução de sonegação, é um comportamento ruim dos governos.
Ela observa que, embora o argumento seja o de melhorar a competitividade da indústria, com ganho de produção, os resultados em termos de arrecadação para os cofres públicos, são incertos. No caso da redução do ICMS do querosene de aviação em São Paulo, o impacto econômico esperado pelo governo é de R$ 6 bilhões na economia, em um ano, com a criação de novos voos e circulação de mais turistas pelas cidade.
O secretário da Fazenda de São Paulo, Henrique Meirelles, disse ao GLOBO que, no caso da redução do ICMS para querosene de aviação, houve uma avaliação econômica e foram estudadas medidas compensatórias para ter aumento da arrecadação.
— Em nosso governo, a ideia é tornar o ambiente de produção mais favorável com uma reforma tributária mais ampla. Já estamos discutindo com o ministro Paulo Guedes como dar andamento a essa questão — disse Meirelles.
O professor de estratégia de negócios do Insper, Otto Nogami, afirma que, embora pareça um contrassenso um governo liberal como o do governador João Doria conceder incentivos fiscais, ele considera que, em momentos em que a economia esteja em recessão ou o movimento de recuperação seja muito lento, os benefícios podem ser usados para estimular a atividade.
— Em momentos de recessão, é papel do Estado estimular a competitividade de alguns setores. Trata-se de um custo de oportunidade — diz Nogami.
O governo federal também está lidando com pedidos que vão contra a agenda liberal do ministro Paulo Guedes. O agronegócio parece ser o setor mais resistente à pauta de abertura comercial e redução de subsídios. O governo Jair Bolsonaro decidiu aumentar o imposto de importação de leite em pó para compensar o fim da taxa aplicada para proteger os produtores locais.
A ministra Tereza Cristina, da Agricultura, também quer a manutenção do crédito subsidiado do Banco do Brasil para o Plano Safra e se posicionou contra a extinção gradual de descontos na conta de luz de produtores rurais. O benefício custa R$ 3,4 bilhões por ano e é pago pelos demais consumidores de energia de todo o País.